quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Economia não é destino, mas ajuda um bocado


Depois de um longo período de retração econômica iniciada em 2014, a economia começa a dar sinais de melhora a partir do primeiro trimestre de 2016. A tabela abaixo mostra as variações, com relação ao mesmo trimestre do ano anterior, de alguns indicadores econômicos como o PIB, Cheques sem fundo (Serasa), Índice de Confiança do Consumidor (Fecomércio) e taxa de desemprego na RMSP (SEADE).


Após cair -5,7 no quarto trimestre de 2015 a velocidade da queda do PIB começa a desacelerar até que o sinal se torna ligeiramente positivo no primeiro trimestre de 2017. Os cheques sem fundo – indicador de inadimplência do consumidor -  atingem seu auge no quarto trimestre de 2015 e a partir dai desacelera, passando a cair no primeiro trimestre de 2017. A taxa de desemprego também chega ao máximo no quarto trimestre de 2015, caindo desde então até tornar-se negativa, no início de 2018. Como consequência, o ICC, que é uma medida subjetiva da crise, inverte de tendência a partir do 3T de 2015, passando a aumentar desde então, ainda que de forma um tanto errática, com algumas idas e vindas.

Ainda que ténue, o quadro geral mostra uma melhora dos indicadores econômicos em 2017 e 2018. Isto nos ajuda a entender em parte a queda de roubos e homicídios na maioria dos estados em 2018.




Esta melhora no cenário econômico, como sempre insistimos, afeta os indicadores criminais: na retração, a média de roubos sobe e as ocorrências de tráfico caem; na expansão ocorre o movimento inverso.

Numa base ampliada com 89 trimestres – do terceiro trimestre de 1996 ao terceiro trimestre de 2018, compilamos os indicadores criminais de Estados que publicam longas séries históricas de crimes, como SP, RJ, MG e RS. Durante este período tivemos, segundo a classificação da FGV, 24 trimestres de retração e 65 trimestres de expansão da economia.

A tabela abaixo traz as taxas médias de crimes selecionados, comparando os períodos de expansão e retração. Os homicídios em São Paulo caíram em média -0.7% nos trimestres de crise da economia e -5,9% nos trimestres de melhoria. Como esperado, a apreensão de armas – que mede o número de armas em circulação -  segue o mesmo padrão: aumenta durante a crise e cai no período de prosperidade. A crise aumenta os roubos e torna as pessoas mais inseguras, estimulando a circulação de armas. Os roubos em SP crescem 2,4% na expansão e 10,6% na recessão. No RS as médias passam de 3,6% para 13,3% e em Minas Gerais passam de 1,3% para 10,5% quando a situação da economia piora.



No RJ, no período selecionado, não observamos a mesma tendência: os roubos de veículos parecem diminuir na crise e os roubos ficam no mesmo patamar. O problema é que o RJ passou desde 2014 por um surto de aumento da criminalidade que teve outros elementos indutores, além da crise econômica. Assim, ele teve aumento dos crimes patrimoniais mesmo em 2016 e 2017, quando os demais estados já começavam a reduzir o crime. Isto faz com que a associação entre ciclo econômico e criminalidade fique confundida no RJ, dependendo do período que se analise.

Finalmente, como qualquer outra commodity, a procura por drogas aumenta quando os consumidores tem mais dinheiro (11,1%) e cai quando a economia entra em crise (6,2%), corroborando, como sugerimos antes, que apreensão de drogas é um indicador que reflete a quantidade de drogas em circulação, mais do que atividade policial.

 Uma forma alternativa de ilustrar a relação entre os indicadores econômicos e taxas criminais pode finalmente ser vislumbrada através da correlação, no mesmo trimestre, entre a variação na taxa de roubos e tráfico em SP, por um lado, e a variação nos indicadores econômicos, tomando os mesmos 89 trimestres (ou 67 trimestres, nas duas séries menores). Nas relações bivariadas, todas as correlações são significativas e corroboram que os roubos em São Paulo caem quando o PIB sobe (-.30); caem quando o Índice de Confiança do Consumidor sobe (-0.34); sobem quando os cheques sem fundo sobem (0.30) e sobem quando a taxa de desemprego sobe (0.39).

Relações bivariadas podem ser enganosas e todos os indicadores escolhidos refletem em seus diversos aspectos a dimensão “recessão econômica”, sendo mais ou menos colineares. Quando inserimos todos simultaneamente num modelo de regressão, verificamos que alguns são melhores preditores dos roubos do que outros, especialmente a variação na taxa de desemprego. Não é o caso de discutir neste espaço detalhes do modelo, que pode ser avaliado pela sua capacidade de predição, testada no gráfico abaixo.

Na linha verde abaixo vemos a variação dos roubos em São Paulo, e na linha azul vemos a predição no modelo, com base nas nossas variáveis econômicas. A linha azul, portanto, prediz como evoluiriam os roubos em SP se soubéssemos apenas como foi a evolução dos indicadores econômicos, sem mais nenhuma outra informação.  As linhas verticais delimitam os períodos de retração e expansão, classificados pela FGV, com ênfase nas crises de 2009 e 2014.

Como é possível visualizar, o modelo se ajusta bem à realidade na maior parte do período: ele prediz com razoável precisão o aumento dos roubos nas recessões de 2003 e 2009. Prevê também a tendência de crescimento dos roubos depois de 2011, mas erra um pouco na previsão do auge da crise, que posterga para 2015, quando na verdade o pico ocorreu antes. Finalmente, prevê novamente bem a queda dos roubos depois que a economia começa a melhorar em 2016.





Os criminosos são um dos primeiros grupos a perceber a chegada e o término dos ciclos econômicos. Passamos por dois anos de lenta  recuperação da economia e isso redundou em consequências positivas para a segurança. Como sempre fazemos questão de ressaltar, economia não é destino. Mas o desempenho dos indicadores de segurança nos próximos meses terá que ser visto, como sempre, à luz do quadro mais amplo dos ciclos da economia. Se o governo federal conseguir destravar a economia, dará sua grande contribuição para a segurança pública do país. Por um lado, diminui o estímulo ao crime e por outro aumenta a arrecadação dos Estados, que redundam em investimentos na segurança. E fará um grande favor ao país se não estragar tudo, flexibilizando o Estatuto do Desarmamento.





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