terça-feira, 29 de setembro de 2020

Perfil das ocupações de segurança nas eleições de 2020

 


Segurança é uma das maiores preocupações da população e é natural que muitos candidatos a prefeito e vereador sejam oriundos das ocupações ligadas à segurança pública e privada. O banco de dados do TSE traz costumeiramente a ocupação dos candidatos às eleições, tornando possível isolar parcialmente os candidatos que atuam profissionalmente no setor.

Contribuem para estas candidaturas o fato de que as instituições policiais liberam com vencimentos e sem prejuízos os profissionais que quiserem disputar as eleições e a influência crescente dos militares e policiais em geral no governo Federal. O chamado “bolsonarismo” das polícias pode estar estimulando ainda mais esta tendência de crescimento do envolvimento na política, que já vem de anos anteriores. O apoio de parcela significativa dos eleitores a agenda bolsonarista acaba por atrair candidatos identificados com esta agenda, confiantes na viabilidade eleitoral das candidaturas neste contexto em que o presidente reconquista popularidade.

Numa definição abrangente de operadores da segurança, por ordem de grandeza, encontramos na lista de candidatos a prefeitos e vereadores deste ano 4467 “vigilantes”, 3575 Policiais Militares, 1735 “militares reformados”, 919 Policiais Civis, 344 Bombeiros Militares, 182 integrantes das Forças Armadas e 38 “Detetives Particulares”. Somadas estas categorias, teríamos 11460 ocupações relacionadas com “segurança”, no sentido amplo do termo. Isto equivale a 2,09% do total de candidatos. Se considerarmos apenas as polícias estaduais, para as quais existem estimativas seguras, são 4838 candidatos, ou quase 1% dos cerca de 540 mil policiais estaduais existentes no Brasil (IBGE, 2015).

Como este grupo de candidatos se compara com os demais, quando analisamos seu perfil demográfico e partidário?

É digno de nota que os candidatos ligados à segurança são bem mais “masculinos” do que a média. São homens 66,8% dos candidatos em geral, mas a proporção sobe para 93,2% entre os candidatos da segurança, ocupações tradicionalmente masculinas. A porcentagem de casados também é bem maior: enquanto no total de candidatos 51,3% declarou-se casado, a porcentagem sobe para 64,5% entre os oriundos das ocupações de segurança. Esse dado sugere que a média de idade é também maior entre estes candidatos.

A média de escolaridade é maior entre eles, como ilustra a tabela abaixo. A porcentagem com ensino médio completo e superior completo é maior do que a média dos candidatos, enquanto a porcentagem apenas com ensino fundamental é menor.


Embora não consigamos detalhar o nível hierárquico dos candidatos nas instituições, pelo grau de escolaridade declarado é possível especular que não são as carreiras superiores das policiais as que mais se candidatam, uma vez que o curso na Academia de Oficiais equivaleria ao curso superior completo, assim como o cargo de Delegado de Polícia, exclusivo de bacharel em direito.

Pardos e Pretos estão super-representados entre os candidatos da segurança. Os Brancos formam 47,7% dos candidatos em geral, mas constituem apenas 40,7% da “bancada” da segurança. Em parte este é um reflexo da grande presença de pretos e pardos nos escalões inferiores e médios das forças de segurança e forças armadas, historicamente percebidas como veículos de ascensão social para os negros.

Para além das diferenças demográficas, é interessante observar as diferenças entre os Estados e Partidos Políticos. A última coluna da tabela abaixo traz a diferença entre os percentuais dos candidatos ligados à segurança e os demais. Assim, por exemplo, o Rio de Janeiro tem 4,6% dos candidatos às eleições de 2020. Mas concentra 8,2% dos candidatos da segurança do Brasil. As ocupações de segurança estão claramente super-representadas nas candidaturas do RJ.  Entre outros fatores, esta discrepância pode refletir a politização das forças de segurança no Estado. Mas existem outras hipóteses, como facilidades institucionais, tradição ou necessidade das instituições de obterem representação própria, em busca de defesa ou prerrogativas.


Minas Gerais e os estados sulistas (PR, RS e SC) estão no outro extremo. Minas lançará 14,6% dos candidatos em 2020 em todo o país. Mas apenas 10,8% dos que tem origem em ocupações de segurança se lançarão por Minas. As hipóteses aqui tem o sinal oposto.

O cruzamento por organização partidária obedece ao mesmo formato, com a última coluna trazendo a diferença entre as ocupações da segurança e as demais. As colunas, portanto, somam 100%. É evidente a sobre representação das ocupações de segurança entre os partidos de centro-direita. Estes dados trazem evidências do fenômeno chamado de “bolsonarismo das polícias”, que sugere a existência de uma “afinidade eletiva” entre ideais políticos conservadores, partidos de centro-direita e ocupações de segurança pública e privada.

 


 

Nos partidos de esquerda e centro-esquerda, por outro lado, os candidatos de ocupações de segurança estão sub-representados. Mas note-se que muitos candidatos de segurança concorrerão por siglas de esquerda como PT, PDT, PSB ou PC do B, mesmo estando sub-representados neste espectro ideológico. Não obstante a preferência pelos partidos de centro direita, mais novos e de bancada menor, existem candidatos de segurança distribuídos por todas as agremiações partidárias, que vislumbraram a viabilidade eleitoral destas candidaturas e dão abrigo a elas.  

Nos partidos maiores, mais antigos e tradicionais, os candidatos da segurança têm que concorrer internamente com os “políticos tradicionais” em busca de vagas para suas candidaturas.  É provável que o acesso às vagas seja facilitado aos policiais nos partidos menores e mais novos, que em geral estão alinhados ideologicamente mais à direita. Este fenômenos da representação política expressa da direita é relativamente recente, pois poucos políticos tinham a ousadia de se apresentar como de “direita” nas eleições. Esta concorrência interna por vagas maior ou menor pode assim explicar em parte as distorções observadas entre os partidos, quando desagregamos as ocupações. A política municipal é pouco ideologizada. Assim, não se trata apenas de “bolsonarismo”, mas também do fato de que policiais encontram talvez mais abertura nos partidos novos e menores, que são de direita e centro-direita.

E quais são as implicações desta crescente representação dos operadores da segurança nas políticas públicas de segurança? Trata-se como discutimos de uma tendência de crescimento já de anos e os estudos que analisaram a atuação desta bancada não são necessariamente animadores. (https://soudapaz.org/o-que-fazemos/mobilizar/sistema-de-justica-criminal-e-seguranca-publica/advocacy/seguranca-publica/?show=documentos#3123)

O tema segurança tende a ganhar maior visibilidade e recursos. Por outro lado, a atuação destes representantes nos legislativos mostra uma preocupação excessiva com a proteção das carreiras e das instituições, com benefícios e sinecuras, com temas corporativos e com uma legislação punitiva e restritiva de direitos.

Diferente do que se imagina trabalhar com segurança no dia a dia do combate à criminalidade não torna necessariamente os operadores mais capacitados para formular macro políticas de segurança, assim como ser professor não torna alguém especialista em políticas de educação ou ser médico em políticas de saúde. Outros tipos de habilidades são necessários para transformar um praticante envolvido na profissão num bom avaliador e propositor de políticas públicas. A condução dos profissionais de segurança aos legislativos e executivos não só não trouxe os resultados esperados para a melhoria da segurança. Apegados às suas instituições e práticas obsoletas, eles são frequentemente um obstáculos às reformas profundas e urgentes que a área precisa.  Como em todas as ocupações, é preciso separar o joio do trigo. E eleger os que se preocupam mais com o cidadão do que com suas instituições.










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