Em 1999
Fernando Henrique era o Presidente e José Gregory Ministro da Justiça, que
convidou para comandar a Senasp o ex-delegado geral paulista José Osvaldo
Vilhena Vieira. Que por sua vez, vinha a ser pai do Oscar Vilhena Vieira, com
quem trabalhava no Ilanud na ocasião.
Para ajudar na
formulação de algumas políticas para a Senasp, reunimos no Ilanud um grupo de
colegas do qual faziam parte originariamente, salvo algum esquecimento, eu,
Oscar, Guaracy Mingardi, o falecido Paulo Mesquista Neto do NEV e o advogado Theodomiro
Dias, filho do Ministro José Carlos Dias. A ideia de um Plano Nacional de
Segurança surgiu da inspiração da África do Sul, que um ano antes tinha
elaborado o seu plano e nos enviara uma cópia em CD. Nenhuma relação com o
episódio do ônibus 174, posterior, que alguns apontam erroneamente como
episódio desencadeador do Plano. Na melhor das hipóteses, o incidente provocou uma
aceleração na divulgação, assim como a crise carcerária acelerou a divulgação
do Plano atual.
As condições
para a elaboração estavam longe de ser ideais e como sempre, baseava-se na boa
vontade dos participantes. Ninguém ganhou um centavo; ao contrário, gastamos
muitas horas de trabalho e muito dinheiro de estacionamento nas reuniões
semanais no escritório que o MJ mantinha na Av. Prestes Maia. Não tínhamos
recursos para pesquisa, reuniões ou viagens e por isso todos eram de São Paulo:
com base na experiência dos participantes e leituras, juntamos ali umas dezenas
de propostas e concepções sobre o papel do governo federal na segurança. Feito o esboço original, a Senasp e o MJ
assumiram a coordenação e redação final do documento, colhendo subsídios junto a
outros especialistas, ao Gabinete de Segurança Institucional, Depen, Secretaria
Nacional de Justiça, Polícia Federal, Abin e outros órgãos do Governo Federal. Mesmo
improvisado, o Plano Nacional de Segurança Pública de 2000, com seus 15
compromissos e 124 ações, foi um marco histórico. Antes de tudo pelo simbolismo
pois pela primeira vez um governo federal deixava clara sua intenção de assumir
maiores responsabilidades nesta esfera. Segurança virou tema prioritário, com
novos projetos, concepções inovadoras e orçamento reforçado. Importantes
iniciativas foram criadas nos anos seguintes, até a mudança de governo em 2003,
que deu continuidade a algumas das propostas e deixou de lado outras tantas.
Não vou me
deter aqui nos planos posteriores, em especial o SUSP de 2003 e o Pronasci de
2007. Minha avaliação geral é de que foram documentos bem elaborados no campo
teórico, mas pouco práticos e precariamente implementados. Salvo poucas
exceções, a gestão da segurança nestes anos foi tão sofrível quanto a gestão
econômica. As principais ações “estruturantes”, para usar um termo caro aos
gestores petistas, vieram dos períodos anteriores: criação da Senasp, Senad,
Depen, dos Fundos Nacionais de segurança, penitenciário, Infoseg, Central de
Penas Alternativas, Estatuto do Desarmamento[1],
etc. Dos últimos 14 anos de governo, muito pouco pode ser mencionado, neste
nível de relevância e durabilidade institucional. Não houve nem “reforma nas
instituições de segurança” nem “redução da violência”.
Passados 17 anos
do primeiro PNSP, vemos uma nova proposta de Plano Nacional de Segurança. Como
todos os planos anteriores, o Plano Temer tem pontos positivos e negativos. Creio
que independente dos méritos do documento, o mais relevante é propor alguma
coisa, qualquer coisa, elevando novamente o status
do tema segurança pública na agenda nacional. Envolver os demais órgãos – STF,
Ministérios da Defesa e Relações Exteriores, governos estaduais, etc. – também
é um dos méritos. Analistas estimam que 78% das propostas foram requentadas dos
planos anteriores. Não vejo isto como um demérito, mas também como algo
positivo tentar recuperar boas ideias dos programas anteriores que não foram colocadas
integralmente em prática. Estaria muito mais preocupado se houvessem muitas
ideais novas e mirabolantes. [2]
Minha lista de
equívocos, já assinalados por outros: muitas ações dependem da colaboração com
outros órgãos ou de mudanças na legislação; muitas são de caráter emergencial;
há omissões importantes, como a questão da tipificação e prevenção às drogas ou
do Ministério da Segurança; a escolha dos indicadores apreensão de armas e
drogas para medir metas é equivocada, pois são indicadores de output e não
input; ampliar o efeito da Força Nacional, que ainda não disse ao que veio, é
questionável; algumas ações listadas já estavam em andamento; não se mexe em
temas estruturais, como unificação das polícias, etc., etc.
Mas de maneira
geral, a escolha dos eixos, dos temas, dos princípios da integração entre
órgãos e com a sociedade, do foco territorial, etc., são basicamente acertadas,
para um governo de duração limitada e que assumiu o país no meio de uma forte
crise econômica e política. Sempre
poderia ser melhor e é fácil criticar as omissões. Todos especialistas têm sua
lista pessoal de preferências e lembranças de centenas de sugestões que não
foram contempladas. Mas é o temos no momento e bem ou mal o Plano tem virtudes,
independente de quem as propõe e de nossas opiniões pessoais sobre o governo em
geral e ministros em particular. Se existem erros e omissões, o papel dos
analistas é aponta-las e aperfeiçoá-las sine
ira et studio, como recomendava Weber. Como todas as propostas apresentadas
pelo governo atual, as opiniões sobre o Plano de Segurança são bastante
politizadas. [3]
A maior
virtude de todas do novo Plano de Segurança é sair na inanição dos anos
anteriores, co-responsavel pela crise atual do sistema penitenciário e pelos
recordes sucessivos no número de homicídios. Uma nação com 60 mil mortos e onde
o crime organizado domina as prisões não pode se dar ao luxo de rechaçar uma
iniciativa que pode ser relevante para a área com argumentos ad hominem ou enviesados. É preciso
fazer na segurança o que se fez na saúde com a vacinação: inciativas
fundamentais tem que ser continuadas, não importa que pessoa ou partido foi o
mentor. A segurança estaria melhor se as iniciativas propostas em 2000 tivessem
sido colocadas em prática sem descontinuidade.
Acho o Plano
de 2000, com todas as suas falhas, melhor e mais completo do que os posteriores
e o atual, embora minha opinião seja suspeita. Muita coisa que havia nele foi
retomada em 2003 e 2007 pelo PT e neste último Plano de 2017. Redução do
homicídio, combate ao crime organizado e modernização do sistema penitenciário
fazem tanto sentido agora quando faziam em 2000. O Plano traz boas iniciativas
e se a administração atual conseguir avançar na agenda, melhor para todos. Dados
os fins, aos especialistas cabe opinar se os meios são adequados para
atingi-los. O mais é ideologia. Quando não se gosta do governo de plantão, é preciso
um esforço sobre humano para não confundir conhecimento e crença.
Anexo:
Abaixo faço um
breve resumo do Plano, pelo que pude recolher do material disperso na imprensa,
para quem quiser avaliar as medidas de forma independente.
Plano Nacional
– Temer
Eixo 1- redução de homicídios dolosos e de feminicídios
Princípios: valorizar a prevenção por meio da
capacitação dos agentes envolvidos, da aproximação da polícia com a sociedade,
da inserção e proteção social, além da otimização de medidas administrativas.
Meta: reduzir
em 7,5% o número anual de homicídios dolosos nas capitais do país em 2017. A
partir de 2018, a meta será ampliada para cerca de 200 cidades no entorno das
capitais.
Meta: redução dos índices de violência doméstica
Ações:
·
Mapeamento dos locais onde ocorrem homicídios, que começará pelas
capitais e depois será expandido para as regiões metropolitanas.
·
Criação de forças-tarefa no Ministério Público para investigações de
homicídios
·
Dar celeridade às investigações e aos processos envolvendo crimes de
violência doméstica
·
Implementar cursos de mediação de conflitos, solução pacífica de
conflitos e cultura de paz.
·
Instalação de grupos da Patrulha Maria da Penha, que deverão fazer
visitas periódicas a mulheres em situação de violência doméstica
·
Criação de um fluxo de comunicação entre os órgãos de segurança e
municipais com presença nos centros de inteligência
·
Verificar lugares com iluminação ruim, verificar veículos abandonados,
fiscalizar estabelecimentos irregulares e a venda indiscriminada de bebida
alcóolica.
·
Implementar normas mais rígidas na guarda e no depósito de armas de fogo
de empresas de segurança privadas.
·
Criação de um laboratório central de perícia criminal em Brasília em
apoio aos estados
·
Investimentos nas perícias criminais nos estados
·
Apoio aos estados pelos laboratórios da PF que serão ampliados.
Eixo 2 - combate integrado à criminalidade organizada internacional (em especial
tráfico de drogas e armas) e crime organizado dentro e fora dos presídios
Meta: aumento de 10% na quantidade de armas e drogas
apreendidas, em 2017, e de 15% em 2018
Ações:
·
Implantação de centros de inteligência integrados das polícias nas
capitais
·
Implantar e interligar sistemas de videomonitoramento, a exemplo do que
foi feito nas cidades que sediaram a Copa e os Jogos Olímpico
·
Comunicação
por rádio digital
·
Fortalecimento do combate ao tráfico de armas e drogas nas fronteiras
·
Força Nacional: ampliar de forma gradativa o efetivo da corporação para
realizar mais operações conjuntas com as polícias Federal, Rodoviária Federal e
estaduais
·
Polícia Rodoviária Federal (PRF): acordos de cooperação com as polícias
militares rodoviárias para otimizar a fiscalização em rodovias e principais
rotas viárias brasileiras.
·
Atuação conjunta com países vizinhos (fronteiras, inteligência e
informação e operações)
·
Fiscalização, proteção e operações nas fronteiras
·
Atuação conjunta com as policiais estaduais
·
Ampliação da inserção dos perfis genéticos no banco de dados de DNA
·
Compartilhamento, em âmbito nacional, do banco de dados de impressões
digitais.
·
Identificação de armas de fogo e de munições - "DNA das Armas”.
·
Ampliação dos radares Alerta Brasil com mais 837 câmeras da PRF nas
rodovias, totalizando 935 unidades. O sistema do programa deverá ser integrado
com as redes estaduais de identificação de veículos.
·
Nova matriz curricular para a formação policial
·
Elaboração de estatísticas de mensuração da eficácia da atividade de
Polícia Judiciária
Eixo 3 - racionalização e modernização do sistema
penitenciário.
Meta: reduzir
a superlotação em 15% em dois anos
Ações:
·
Centralização de informações: com módulo que agregará dados sobre os
estabelecimentos prisionais com informações sobre vagas gerais, regimes das
penas, instalações de saúde, de educação. O segundo abrangerá informações
pessoais dos presos e dados sobre o crime praticado. O terceiro terá
informações relativas ao processo criminal do detento.
·
Separação dos presos condenados por crimes graves e do crime organizado
em diferentes alas
·
Proporcionalidade na progressão do regime com mais benefícios aos crimes
praticados sem violência
·
Necessidade de cumprimento de pelo menos metade da pena no caso de
ameaças graves
·
Mutirão em execução da pena.
·
Mutirão de audiências de custódia para presos provisórios por crimes sem
violência.
·
Investimento de R$ 200 milhões para a construção de cinco presídios
federais, um em cada uma das regiões do país, com capacidade para 220 presos de
alta periculosidade
·
Fortalecimento de medidas alternativas ao encarceramento, como o uso de
tornozeleiras eletrônicas e restrição de direitos.
[1] O Estatuto foi aprovado no primeiro ano do governo Lula, em 2003, apenas
em função da dinâmica legislativa. Toda concepção é do período anterior, pelos
menos desde 1997.
[2] Acho bastante curioso que muitos dos
especialistas chamados a avaliar as atuais propostas – muitas vezes as mesmas
que fizeram em períodos anteriores – sejam críticos a elas agora, apenas porque
propostas pelo “governo golpista”. De modo geral, o Plano Temer foi avaliado
com baixíssima isenção. Ninguém é 100% isento (nem mesmo este autor) mas é
quase possível prever a opinião de um especialista sobre o novo plano apenas
lendo seus posts no Faceboock sobre o impeachment...Neutralidade axiológica é
um objetivo que sempre deve ser buscado por qualquer um que se intitule
pesquisador.
[3] Neste sentido, apoio
integralmente a proposta lançada pelo cientista político Glaucio Ary Dillon
Soares de que o papel dos pesquisadores é “colaborar construtivamente e criticamente na elaboração do
Plano Nacional de Segurança Pública, inserindo nossas contribuições”, assim
como fizemos em todos os governos anteriores, independente de preferências
ideológicas e partidárias. Façamos, como sugere o professor Gláucio, “o que
nós, pesquisadores, fazemos de melhor, buscar e divulgar conhecimento, sem que
o produto seja um documento partidário e/ou ideológico, nem que seja visto e
percebido como tal.”