quinta-feira, 6 de outubro de 2016


A reforma eleitoral de 2015 e seu impacto nas eleições municipais


As eleições municipais de 2016 foram das mais “baratas” dos últimos tempos. Segundo o TSE, os gastos na campanha de 2016 somam R$ 2.131 bilhões, em contraste com os R$ 6.240 bilhões gastos nas eleições municipais de 2012.

O principal motivo da redução foi a mudança da legislação eleitoral, que limitou as contribuições apenas às pessoas físicas e impediu a doação de empresas. Outros fatores importantes são a crise financeira e os efeitos da operação Lava Jato, além das inúmeras outras restrições de gastos promovidas pela minirreforma Eleitoral 2015 (Lei nº 13.165).

Em outro artigo já detalhamos as principais alterações da legislação e mostramos, tomando as eleições para deputados estaduais e federais, que há uma estreita correlação entre o número de votos recebidos pelo candidato e os recursos gastos na campanha. Esta forte correlação entre recursos e votos nas eleições produz sérios questionamentos sobre a legitimidades dos resultados das urnas e reduzir a influência do poder econômico nas campanhas foi um dos principais objetivos da minirreforma de 2015.

A questão é: quão bem-sucedida foi a reforma para tornar as condições de disputa mais igualitárias? Vimos que ela reduziu bastante os gastos em números absolutos, o que já é por si relevante (estamos falando obviamente dos gastos oficiais). Mas o que ocorreu com a relação gasto-voto? Ainda se elegem aqueles que gastam mais?

Os dados ainda são parciais pois o TSE não disponibilizou a prestação final de contas dos candidatos nem a base de resultados completa para download, de modo que usamos aqui apenas os dados dos 1882 candidatos a vereador em São Paulo. Note-se também que esta é a primeira eleição municipal em que analisamos a relação gasto-voto, de modo que os dados não são totalmente comparáveis, pois as amostras anteriores provem de eleições para deputados. A tabela abaixo resume os resultados.

eleição
ano
 valor
intercept
slope
R.
votos
 custo por voto
dep estadual
2014
 R$        1.000.000,00
4662
0,046
0,43
50.662
 R$                19,74
dep estadual
2010
 R$        1.000.000,00
3500
0,077
0,63
80.500
 R$                12,42
dep estadual
2006
 R$        1.000.000,00
6557
0,13
0,56
136.557
 R$                   7,32
dep federal
2014
 R$        1.000.000,00
7146
0,039
0,48
46.146
 R$                21,67
dep federal
2010
 R$        1.000.000,00
6442
0,053
0,61
59.442
 R$                16,82
dep federal
2006
 R$        1.000.000,00
10140
0,098
0,55
108.140
 R$                   9,25
vereador
2016
 R$        1.000.000,00
1185
0,032
0,39
33.185
 R$                30,13

O coeficiente de determinação R2 mostra que das sete eleições analisadas, esta última é a que apresentou a menor correlação entre gastos e votos ( r2= 0.39) embora a distância seja pequena com relação a eleição para dep. Estadual em 2014 (0.43). Alguns poucos casos extremos podem impactar na força da relação e no coeficiente. De todo modo, em conjunto com a redução no volume absoluto de gastos, fica a sugestão de que as novas regras podem ter ajudado a enfraquecer ligeiramente o poder econômico nas eleições.

Infelizmente, a influência do dinheiro ainda fala alto. Os candidatos a vereador, como se vê na tabela, gastaram em média 76 mil reais e tiveram em média (intercept) 1185 votos. Um candidato hipotético com gasto de 1 milhão obteve aproximadamente 33 mil votos, a um custo de R$ 30,00 reais por voto. Cerca de 40% da variação na votação dos candidatos pode ser “explicada” pelos gastos de campanha, o que é ainda bastante elevado.

O gráfico de dispersão abaixo traz a quantidade de votos no eixo vertical e gastos na horizontal – excluindo somente 5 candidatos extremos - e ilustra bem o ponto.




É claro que existem exceções à regra: a votação gigantesca no vereador Eduardo Suplicy, pelas regras eleitorais, fez com que vários candidatos do PT fossem eleitos, independentemente dos gastos – tanto que, se isolarmos o PT, a relação gasto-voto cai para metade (r2 = 0.19). Fernando Holiday recebeu 48 mil votos declarando ter gasto 12 mil reais na campanha. No outro extremo, Thammy Miranda gastou um milhão e quatrocentos, mas só obteve 12.400 votos. Mas, como dito, estas são exceções. De modo geral foi eleito quem gastou mais, como de costume.

Isto significa que ainda há muito a aperfeiçoar na legislação eleitoral para garantir condições equânimes de disputa e evitar distorções: evitar que puxadores de votos ajudem a eleger candidatos com poucos votos, colocar um teto menor para o máximo de gastos permitidos, colocar um teto para investimentos pessoais na campanha, que favorece os candidatos ricos, etc. No limite, o financiamento público das campanhas – medida impopular e pouco compreendida – pode ser a melhor maneira de tornar as condições da disputa mais igualitárias, desde que se encontre uma fórmula “justa” para distribuir os recursos entre os partidos e candidatos.



quarta-feira, 5 de outubro de 2016

O mistério de São Paulo: o papel do PCC na redução de homicídios nos anos 2000


Por Daniel CerqueiraDoutor em Economia pela PUC-Rio. Pesquisador do Ipea
Por Tulio KahnDoutor em Ciência Política pela USP. Consultor independente

Por Marcelo JustusDoutor em Economia pela USP. Professor do Instituto de Economia da Unicamp


A redução da taxa de homicídios no Estado de São Paulo em 67%, ocorrida nos anos 2000, é um verdadeiro case internacional de estudo, ao lado de outras experiências mais conhecidas como as de Nova Iorque e Bogotá que também, em uma década, derrubaram em pouco mais de 70% os seus indicadores. O que aconteceu? Trata-se de um mistério, ou os estudos científicos conseguem explicar, em certa medida, o que teria ocorrido aqui?
Reportagem veiculada pela BBC Brasil no dia 12/02/2016 explicitou umas das várias controvérsias no debate subjacente quando dizia que a “queda de homicídios em SP é obra do PCC e não da polícia”. Com base em vários estudos publicados pela comunidade acadêmica e por meio de uma análise econométrica buscamos evidências empíricas das causas que explicam a redução de homicídios em São Paulo e, em particular, do papel da supramencionada facção criminosa nesse processo.
Os resultados do nosso estudo foram apresentados no seminário internacional ocorrido na cidade de São Paulo, após 10 anos dos ataques, onde um amplo debate foi realizado entre os especialistas em segurança pública. Uma grande dificuldade para fazer a análise é que os anos 2000 foram pródigos em transformações no campo político, econômico, social e legislativo. O Governo Federal e governos municipais assumiram crescentemente maiores responsabilidades na questão da segurança pública, quando despenderam mais recursos, expandiram os efetivos das Guardas Municipais e operacionalizaram ações como a Lei Seca para fechamento de bares.
Ao mesmo tempo, as condições sociais melhoraram sistematicamente, quando se observou aumento da renda per capita, diminuição da taxa de desemprego, diminuição da desigualdade de renda e aumento nas taxas de cobertura e frequência escolar. Em termos legislativos, no final de 2003 foi sancionado o Estatuto do Desarmamento, que impôs um freio à verdadeira corrida armamentista observada nas décadas anteriores. Por fim, nessa década, o país (e principalmente São Paulo) assistiu ao princípio da mais profunda mudança do regime demográfico, possibilitada pelo aumento da expectativa de vida e pela diminuição substancial das taxas de fecundidade, o que fez com que a proporção de jovens começasse a diminuir em algumas regiões.
No plano estadual, São Paulo foi uma das poucas unidades federativas que logrou uma continuidade na gestão governamental, com o mesmo partido à frente do governo do estado desde 1995. Nesse período, muitas inovações foram feitas na área de segurança pública, que incluíram uma reorganização gerencial e o uso mais intensivo de tecnologias de informação, que engendraram a um aumento substancial das taxas de aprisionamento. O aumento da massa carcerária, por sua vez, facilitou a arregimentação de membros do PCC, organização criminosa que nasceu dentro das prisões e que ficou nacionalmente conhecida após centenas de ataques orquestrados e perpetrados por eles em maio de 2006. A cartelização do mercado varejista do narcotráfico, que teria sido levado a cabo pelo PCC, seria então uma das muitas hipóteses que explicariam o mistério da redução de homicídios em São Paulo.
Enquanto os defensores da hipótese sobre o papel do PCC, conhecida por “hipótese da Pax Monopolista”, basearam-se em estudos etnográficos alicerçados em entrevistas qualitativas com um grupo limitado de atores, nós utilizamos métodos quantitativos que possibilitam estimar a relevância das várias potenciais explicações da queda, a partir da análise de uma base de dados que cobriu todos os municípios paulistas. Consideramos vários indicadores sociais, econômicos e demográficos, além de outros relacionados à capacidade do Estado de fazer cumprir a Lei, como a presença de Guarda Municipal, de estabelecimentos prisionais e do sistema de Informações Criminais (Infocrim). Por fim, consideramos também a prevalência de armas de fogo e do consumo de bebidas alcoólicas.
A hipótese PCC é consubstanciada pela ideia de que muitos homicídios que aconteciam no território, por força de disputas de mercado, vinganças, acertos de conta, etc., não seriam mais admitidos pelo comando central, a menos de prévia e taxativa autorização. Ainda que tal fato tenha ocorrido de maneira localizada em determinadas comunidades, é difícil acreditar que tal movimento possa ser extrapolado para todo o Estado, de sorte a explicar a dinâmica dos homicídios nos 2000. Quatro fatos estilizados são incompatíveis com tal possibilidade.
Em primeiro lugar, a queda de homicídios no Estado de São Paulo nos 2000 se deu de forma generalizada em 500 dos 645 municípios paulistas. Por outro lado, no momento em que o PCC se mostrou de forma mais incisiva e ostensiva, nos ataques de maio de 2006, foram registrados 287 atentados, em 109 cidades do Estado de São Paulo. Ou seja, o mapa do PCC é bastante diferente do mapa da redução de homicídios no Estado. Segundo, enquanto a maior organização e força da facção criminosa se revelou apenas em meados da década, a redução das mortes se iniciou já em 1999. Terceiro, o número de ocorrências dos tipos de crimes contra a propriedade em que a subnotificação é baixa – tais como roubo ou furto de veículos – também diminuiu no período, o que não pode ser creditado ao PCC. Quarto, a redução das mortes violentas não se deu apenas entre os jovens, com baixa escolaridade, do sexo masculino, moradores de periferia, perfil similar aos dos envolvidos em crimes, mas ocorreu em populações com perfis bastante distintos desses mencionados.
Obviamente, os elementos levantados acima, ainda que impressionistas, não servem para sustentar ou refutar qualquer hipótese. Para tanto, há a necessidade de empregar métodos estatísticos mais sofisticados, que foi o que fizemos. Partindo para as conclusões de nossa análise econométrica, encontramos evidências que corroboram os resultados de outros trabalhos, em que seis fatores foram relevantes para explicar a redução dos homicídios em São Paulo nos 2000.
Sendo eles, o foco na política de desarmamento; a redução substancial na proporção de homens jovens na população; o aumento da taxa de atendimento escolar; a diminuição da taxa de desemprego; a política de Lei Seca, para fechamento de bares; o aumento da eficiência policial, sobretudo com a difusão do Infocrim. Não encontramos, porém, evidências de que oPCC tenha tido papel relevante para explicar a redução generalizada dos homicídios em São Paulo.
As condições sociais e econômicas, sobretudo em relação aos riscos e oportunidades associados à juventude importam sobremaneira. Ou seja, na elucidação do mistério de São Paulo, verificamos que existe muito mais no campo da segurança pública do que supõe a conjectura “PCC versus polícia”.

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