sábado, 8 de setembro de 2018

Séries históricas de homicídios: eventos transitórios, ciclos, tendências e quebras de nível



Uma série temporal é uma coleção de dados que seguem uma ordem sequencial no tempo. Neste artigo, analisamos a série temporal de homicídios dolosos no Brasil, de 2010 a 2018, por Estado e trimestre e apresentamos uma tipologia para interpretação das séries temporais de homicídios.
A ideia básica é que algumas características destas séries temporais podem nos dar pistas interessantes sobre as origens e dinâmicas dos aumentos dos homicídios no Brasil, tema que tem gerado bastante polêmica entre os analistas do fenômeno. Existem várias hipóteses para interpretar o aumento dos homicídios no Norte e Nordeste e a queda no Sudeste nas últimas décadas e observar o comportamento destas séries no tempo pode jogar alguma luz no fenômeno.

Antes um pouco de teoria: uma série histórica qualquer é normalmente formada por diversos componentes: em geral uma média, uma tendência (que pode ser estacionária), movimentos cíclicos em ondas de média e longa duração (ciclos), oscilações no decorrer do ano (sazonalidade), movimentos aleatórios, provocados pelos resíduos de milhares outros fatores não computados. Além disso, é possível identificar por vezes quebras bruscas na série (quebras de nível) ou movimentos intensos provocados por eventos transitórios, que uma vez passados retomam a média e tendência anteriores.

Ilustrando com a série de homicídios, podemos dizer que tínhamos uma “tendência” linear de aumento nacional desde os anos 80 e que o Estatuto do Desarmamento introduziu uma “quebra de nível” na série em 2003, estabilizando a média de homicídios em um novo patamar, durante alguns anos. Mudanças legais, como a implementação da Lei Seca em alguns municípios são outros exemplos de quebras de nível, quando as médias de homicídios mudam de patamar. As crises econômicas de 2009 e 2014, por sua vez, impactaram indiretamente os homicídios em alguns estados, introduzindo movimentos cíclicos que acompanham aproximadamente os ciclos econômicos. Brigas de facções e operações policiais de confronto com o crime são exemplos de eventos transitórios que afetam temporariamente as estatísticas de homicídios.

Como se vê, fatores de diferentes naturezas estão por traz daquilo que é mostrado nos gráficos: mudanças demográficas, políticas públicas, conjuntura econômica, incidentes históricos, dinâmica criminal e mesmo o acaso – incorporado no termo “erro” nas séries temporais. De modo que é sempre bastante complexo interpretar corretamente o significado por traz dos números, que são afetados simultaneamente por diversos destes fatores, uns jogando os homicídios para cima e outros fazendo o movimento contrário. Quando o analista tem que se pronunciar sobre os efeitos de uma política pública sobre os homicídios ou sobre tendências dos homicídios, é preciso levar em conta todos estes fatores e existem técnicas estatísticas que ajudam a “limpar” a poluição dos dados, retirando um a um os efeitos sazonais, cíclicos, transitórios, etc. de modo a extrair apenar a tendência “pura”.

Não vamos nos deter aqui nestes procedimentos estatísticos, mas antes na construção de uma tipologia que pode ajudar a identificar os diferentes componentes da série, em função de suas características. No quadro abaixo apresentamos cinco diferentes componentes que podem afetar as séries temporais de homicídios e algumas de suas características: brigas entre facções e confrontos com a polícia (evento transitório), crise econômica (ciclo), tendência secular e quebra de nível.


Tipologia dos componentes que podem afetar as séries históricas de homicídio e suas características



1) Os eventos transitórios – como brigas entre facções e confrontos com a polícia – são geralmente de curta duração (1 ou 2 trimestres) e afetam de forma elevada os homicídios, produzindo variações bruscas porém temporárias nas médias de homicídios. Uma diferença é que a primeira está correlacionada com a dinâmica do mercado criminal enquanto a segunda mais ligada a mudanças na atuação da segurança pública. A elevação de casos no Ceará entre o segundo e quarto trimestres de 2017 é um exemplo da primeira enquanto a guinada “linha dura” em São Paulo durante alguns trimestres de 2012 é um claro exemplo da segunda. Em ambos os casos, a previsão é de que haja nestes períodos uma intensificação na morte de jovens, pobres, do sexo masculino, particularmente nas áreas dominadas pelas facções criminais. Também esperaria encontrar aumento da evidência forense de “forte intencionalidade” nas mortes, ou seja, várias perfurações localizadas em partes letais e redução de taxa de alcoolemia no sangue das vítimas. Como se tratam de mortes ligadas à dinâmica criminal, não devemos esperar alterações nos indicadores que medem a quantidade de armas em circulação durante estes períodos. O cenário geral é acompanhado de outros sinais de confronto, tais como incêndios em ônibus, mortes no sistema prisional e aumento da letalidade nas ações. Embora possa ocorrer um contágio para outros estados ou uma ação coordenada pelo crime organizado, geralmente estes são eventos localizados espacialmente em algumas poucas cidades de apenas um Estado. Ao contrário dos homicídios interpessoais, que tendem a se concentrar nas madrugadas dos finais de semana, não deve existir aqui um padrão temporal tão marcado, pois brigas entre facções e confrontos com a polícia não tem porque se concentrar aos finais de semana.

2) Os ciclos econômicos afetam diretamente os ciclos dos crimes patrimoniais e indiretamente, através da sensação de insegurança e do aumento de armas em circulação, os homicídios. A duração é similar à duração dos ciclos econômicos e em geral de médio prazo (alguns trimestres). O impacto nas séries é moderado e sua intensidade depende da intensidade e duração da crise econômica. Um bom exemplo é a crise econômica de 2009, que impactou a série de homicídios de vários estados por alguns trimestres. Os efeitos sobre os homicídios são geograficamente dispersos: com efeito, uma vez que se trata de uma conjuntura econômica nacional, é possível observar o efeito em diversos estados simultaneamente. As armas voltam a circular, pois a população sente-se insegura em virtude do crescimento dos roubos. Assim, esperam-se aumentos dos indicadores de roubos e de armas em circulação, como apreensão de armas pela polícia, suicídios com armas de fogo, armas perdidas, etc. Proporcionalmente, os homicídios revelam mais traços de violência interpessoal: fraca intencionalidade, alcoolemia elevada nas vítimas, maior uso de arma branca, perfil da vítima um pouco menos concentrado em “homens-jovens-pobres-não-brancos”(HJPNB), concentração das mortes nas noites e madrugadas dos finais de semana.

3) Uma tendência secular produz alterações graduais, duradouras e de longo prazo nas médias de homicídios e na maior parte dos casos é derivada de transformações igualmente lentas e graduais de fatores econômicos e sociais, como mudanças etárias, mudanças na renda, etc. Pode ser também o efeito de políticas públicas que se manifestam de forma linear (crescimento lento e gradual), tais como alteração nas taxas de encarceramento, nos investimentos em segurança ou no volume de armas em circulação. Em todos os momentos o perfil das vítimas de homicídio é preponderantemente HJPNB (homens-jovens-pobres-não-brancos), mas este perfil é mais acentuado nos eventos transitórios e menos acentuado nos demais momentos. O mesmo pode ser dito com relação aos indícios de forte e fraca intencionalidade e aos padrões de dias e horários: num cenário “normal”, o homicídio assume antes características de violência interpessoal, como fraca intencionalidade, elevada presença de álcool entre vítimas e autores, concentração nas noites e madrugadas dos finais de semana, etc. Como o que está por traz são fenômenos sociais abrangentes ou políticas nacionais e estaduais abrangentes, espera-se que os efeitos sejam generalizados pelo território. Assim, por exemplo, a queda lenta e gradual dos homicídios em mais de 500 dos 645 municípios de São Paulo a partir de 2000 ou a queda igualmente lenta e gradual dos homicídios em todo Rio de Janeiro no período 2008 a 2014. O crescimento dos homicídios nos Estados do Norte e Nordeste dos últimos vinte anos é provavelmente fruto de uma tendência secular, pois é generalizado, embora agravado por vezes pelos ciclos econômicos e aumentos transitórios provocados pela guerra de facções. Aparentemente, tanto a tendência de queda dos homicídios no Sudeste quanto a tendência de crescimento dos homicídios no Norte/Nordeste estiveram relacionadas ao volume de armas em circulação, entre outras variáveis. Políticas de segurança são circunscritas aos limites dos Estados, mas mudanças socioeconômicas e demográficas não: isto explica porque observamos tendências seculares de homicídio se manifestando em regiões inteiras (Sudeste, Nordeste, etc.), o que evidencia que há outras causas gerais em movimento, para além das políticas de segurança ou brigas de facções.

4) Podemos identificar mais ou menos claramente as quebras de nível nas séries históricas, pois regra geral alteram as médias bruscamente e de forma duradoura, a partir de um momento preciso no tempo. As alterações legislativas ou novas políticas públicas podem produzir estas quebras, como as citadas Lei Seca, Estatuto do Desarmamento ou início do sistema Infocrim. Por coincidência, tanto o Estatuto do Desarmamento quanto a Lei Seca são antes inibidores de crimes interpessoais e afetam menos os homicídios cuja dinâmica é criminal (típico dos eventos transitórios). Isto talvez explique porque vimos na última década um aumento na proporção de negros entre as vítimas de homicídio: não só observamos um crescimento precisamente nas regiões onde é maior a proporção de negros na população como observamos uma diminuição dos homicídios interpessoais e aumento dos homicídios derivados de dinâmica criminal, onde também é maior a presença de HJPNB (homens-jovens-pobres-não-brancos). Mas uma quebra de nível não implica necessariamente numa mudança no perfil das vítimas. Do ponto de vista geográfico, os efeitos, em tese, devem coincidir com a circunscrição de validade da lei: uma lei seca municipal altera os homicídios nos limites do município, etc. Mas nem sempre este é o caso, pois como discutimos em outros momentos, dependendo do contexto, uma Lei nacional, como o Estatuto do Desarmamento, pode “pegar” numa região e “não pegar” em outra.

5) A hipótese segundo a qual os homicídios caem em função da regulação pelo crime organizado (pax criminosa), deveria assumir, formalmente, um aspecto de quebra de nível: por razões lógicas, seria uma queda intensa, brusca e duradoura dos homicídios. A queda deveria provocar mudanças no perfil das mortes, com uma diminuição percentual de HJPNB e nos indícios de “forte intencionalidade”. Em contrapartida, pela diminuição das mortes derivadas da dinâmica criminal, veríamos o aumento porcentual dos traços de homicídios interpessoais, onde a influencia das facções é mínima ou nula. Geograficamente, veríamos uma diminuição concentrada nos locais onde o crime organizado opera ou pelo menos mais intensas ai. O volume de armas em circulação manter-se-ia nos mesmos níveis. Encontramos nas séries históricas de homicídios nos Estados brasileiros diversos exemplos de aumentos transitórios, provocado pelas brigas e facções, mas ainda não me deparei em nenhum momento com algum exemplo de pax criminosa, com as características aqui assinaladas.

É preciso desenvolver melhor os tipos ideais acima descritos e como todo tipo ideal são apenas ferramentas heurísticas, que descrevem a realidade de maneira estilizada e imprecisa. Em todo caso, acredito que eles podem fornecer dicas relevantes sobre que tipo de crescimento ou queda de homicídios estamos falando em cada momento e lugar, bem como sobre suas eventuais origens. Estas hipóteses são verificáveis empiricamente: observando o tamanho da variação, sua duração, sua permanência ou transitoriedade, o perfil da vítima, o perfil espacial e temporal, a abrangência geográfica do fenômeno, as variáveis correlacionadas e outros indícios, podemos tentar identificar o tipo de homicídio com o qual estamos lidando. E formular medidas adequadas para dirimi-lo.

A tabela abaixo ajuda a ilustrar o procedimento de análise. Para identificar, por exemplo, “eventos transitórios”, ela mostra a variação trimestral dos homicídios nos Estados, com relação ao mesmo trimestre do ano anterior. Em vermelho estão assinaladas apenas as variações superiores a 30%. São variações bruscas e que perduraram por alguns trimestres, em alguns Estados.


O que significam estas variações assinaladas em vermelho? Os dados vieram na base do Sinespjc, juntados com dados coletados dos sites das Secretarias estaduais de segurança. Podem mostrar erro nos dados ou variações artificiais devido ao pequeno número absoluto de casos, no caso dos estados da região Norte. Mas podem também ser fenômenos reais: veja-se, por exemplo, o citado aumento de 34% nos homicídios no 4T de 2012 em São Paulo. Os aumentos no Amazonas de 50% no primeiro trimestre de 2017, de 36% em T3 de 2017 no Rio Grande do Norte. Nem todos estes crescimentos intensos e transitórios podem, é claro, ser atribuídos à guerra entre facções, mas é possível que boa parte o seja, pois este é sua característica principal: intensa e curta.

Mas como vimos, estas explosões transitórias contam apenas parte da história da dinâmica dos homicídios, até porque após um tempo volta-se às médias e tendências anteriores. É preciso acrescentar na análise as médias históricas, as tendências, os ciclos, a sazonalidade, as políticas de segurança colocadas em prática, etc. Não dá para atribuir todo o crescimento dos homicídios no país nas últimas décadas às brigas entre facções. Menos ainda responsabilizá-las pelas quedas, que estão longe de apresentar as características distintivas do que seria esperado numa pax criminosa.




segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Crescimento dos homicídios no N e NE: droga, crime organizado ou "contexto"


Decisões humanas não são tomadas no vácuo, mas sempre dentro de um contexto. Isto explica, por exemplo, porque uma lei pode “pegar” num lugar e época e “não pegar” em outros.
Analisemos nesta perspectiva a questão do Estatuto do Desarmamento, lei federal aprovada em 2003 proibindo o porte de arma em todos o país. Passados alguns anos vimos os homicídios caírem em alguns estados – especialmente no Sudeste – e crescerem muito nas regiões Norte e Nordeste.

Como é possível que uma mesma lei, válida em todo território nacional, produza efeitos diferentes em diferentes lugares? Meu argumento nos últimos anos tem se fundamentado na questão do contexto.
Do ponto de vista do “cidadão de bem”, que portava arma para sua proteção pessoal, o Estatuto aumentou o “custo” de andar armado, tornando o porte ilegal crime inafiançável. Dado este aumento no custo, o indivíduo racional faz o cálculo de quando vale a pena continuar a andar armado. A decisão depende do contexto: se a criminalidade está sob controle, a sensação de segurança estável e a polícia na rua fazendo busca e apreensão de armas, é melhor deixar a arma em casa do que se arriscar andando armado. Por outro lado, se a criminalidade está elevada, sinto-me inseguro e percebo uma baixa capacidade de implementação da medida por parte da polícia, a tendência é arriscar e continuar andando armado, pois o risco de ser pego é baixo. O quadro abaixo ilustra esquematicamente a decisão.

Crime e insegurança Probabilidade de captura Decisão “racional”
Alto Baixa Andar armado
Baixo Alta Deixar arma em casa

Existem também as situações ilustradas pelas diagonais, em que a criminalidade é baixa e a probabilidade de captura também é ou a situação contrária, com crime e insegurança altos e probabilidade de captura também. Estas situações ambíguas dificultam uma tomada clara de decisão e nestes casos a propensão individual ao risco pode ser mais decisiva do que o contexto para definir a decisão. Além de contexto e propensão ao risco, dezenas de outros fatores podem influenciar a decisão de andar armado, entre elas as crenças individuais, hábitos, risco profissional, possibilidade de se proteger de outras maneiras, etc. Mas de modo geral o esquema se aplica adequadamente ao dilema individual.

Estas decisões individuais, quando agregadas, conseguem explicar as dinâmicas regionais dos homicídios no Brasil nas últimas décadas? Existem explicações diferentes para o fato de os homicídios terem decrescido no Sudeste e aumentado intensamente no Norte / Nordeste. Como tratamos em artigos anteriores, há quem procure explicar estas diferenças regionais em termos de presença do crime organizado e sua capacidade de regular conflitos, ou ainda pelo grau de crescimento do tráfico de drogas, em especial do crack, pelo país.

Por minha vez, propus em trabalhos anteriores um esquema de interpretação mais complexo, baseado na centralidade da quantidade de armas em circulação e na questão do contexto: num grupo de estados, vimos um crescimento econômico equilibrado nas últimas décadas. A criminalidade patrimonial manteve-se sob controle, assim como a sensação de insegurança da população. A polícia era suficientemente organizada para reprimir o crime e implementar o controle de armas através de buscas e apreensões. Neste contexto 1, a opção racional, como vimos, é deixar a arma em casa. Com menos armas em circulação, observamos neste grupo de estados a queda ou estabilidade dos homicídios.

Por outro lado, no contexto 2, observamos um crescimento econômico acelerado nas últimas décadas, ao que se seguiu um aumento de oportunidades para os crimes patrimoniais. Este aumento da renda pode ter contribuído também para o aumento do consumo de drogas e álcool. O súbito aumento dos roubos fez crescer a sensação de insegurança da população. Ao mesmo tempo, encontramos polícias despreparadas tanto para combater a criminalidade crescente quando para colocar em vigor o Estatuto. Neste contexto 2, a decisão racional foi continuar a andar armado ou comprar uma arma para defesa pessoal. Com o aumento das armas em circulação, vemos no momento seguinte o crescimento dos homicídios, em boa parte interpessoais. Vemos assim contextos diferentes implicando em decisões individuais diferentes e resultados agregados igualmente diferenciados.
Já mostramos algumas evidências deste quebra-cabeças em trabalhos anteriores. Dados mais recentes parecem corroborar esta interpretação. Na tabela abaixo, os Estados estão elencados segundo a variação dos homicídios dolosos, comparando médias do período 2001/2003 com médias do período 2016/2018.

Nas demais colunas da tabela vemos: presença do PCC no Estado (segundo a classificação de Manso e Dias); variação do valor adicionado do PIB entre 2002 e 2015; variação do roubo de veículos entre os períodos 2001/2003 e 2016/2018; % dos entrevistados na pesquisa de Vitimização Senasp de 2014 que avaliam que a criminalidade aumentou no Estado; variação nas médias de homicídio doloso e tráfico, ambos comparando os períodos 2001/2003 com 2016/2018





Como sugerem os dados, no contexto 1 temos um grupo de dezoito estados onde os homicídios aumentaram de 40 a 600% desde o início dos anos 2000. Destes, 15 tiveram crescimento acentuado do PIB no período. Não por acaso, as variações nos roubos de veículos foram maiores neste grupo, o que deve ter contribuído para o aumento acima da média na sensação de insegurança, como sugerem os dados da pesquisa de vitimização de 2014. Mostramos alhures que a polícia era mais desorganizada nestes estados (orçamento menor, menos policiais por habitantes, menor taxa de prisões, etc.) e que a armas em circulação, medidas indiretamente pelas % de suicídios ou homicídios cometidos com armas, parecem ter aumentado. Este é o contexto onde a decisão de andar ou não armado teve que ser tomada. E a decisão parece ter sido manter ou adquirir arma, como mostra o crescimento dos homicídios. Santa Catarina parece ser um ponto fora da curva neste primeiro grupo, pois teve baixo crescimento econômico. Mesmo assim, roubo de veículos e sensação de insegurança cresceram acima da média no Estado, o que pode explicar a variação dos homicídios. Rio Grande do Sul e Minas Gerais estão na parte inferior da lista do contexto 1 e poderiam talvez ter sido classificadas no contexto 2: o crescimento econômico foi baixo, assim como a variação nos roubos de veículos e a sensação de insegurança tem nível intermediário. Ambos tiveram crescimento moderado dos homicídios na década.

No contexto 2 temos um grupo de 9 Estados com quedas ou crescimentos pequenos dos homicídios dolosos. Com exceção do MS, o crescimento do PIB foi mais moderado aqui. A maioria teve crescimento abaixo da média no roubo de veículos, que chega a cair em SP no período. Em consequência da estabilidade do crime patrimonial, a sensação de insegurança mensurada em 2014 fica abaixo da média. Note-se que há um estado nordestino no grupo, PE, em contraste com a tendência regional. Uma política de segurança bem-sucedida pode ter contribuído ali para contrabalançar os efeitos do crescimento da renda e dos crimes patrimoniais. Outra “exceção” seria Rondônia, mas note-se como o estado parece confirmar a teoria: apesar de ficar no Norte, o crescimento econômico foi baixo, assim como o roubo de veículos e insegurança. Em consequência, vemos uma ligeira queda nos homicídios. Estas tendências encontraram um sistema de justiça criminal mais preparado para controlar o crime e impor o Estatuto. Neste contexto, as armas ficaram em casa e os homicídios caíram ou cresceram a taxas reduzidas.

É preciso de mais e melhores dados para corroborar a hipótese do contexto, mas ela parece explicar melhor as evidências encontradas do que as hipóteses do crescimento do tráfico de drogas ou da expansão do crime organizado. Como sempre nestes casos, estamos falando de fenômenos multicausais e é possível que as três hipóteses tenham alguma validade, em alguma medida e que exista uma interação entre elas. O que não significa que sejam todas igualmente relevantes. Um diagnóstico preciso é necessário pois de cada um decorrem diferentes políticas públicas para conter o crescimento dos homicídios no Norte/ Nordeste.

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