Para conhecer a criminalidade
ouvimos as vítimas, as testemunhas, investigamos as características do local,
as evidências forenses, os padrões estatísticos, etc. Mas esquecemo-nos quase
sempre de ouvir um dos atores principais deste drama: o criminoso.
No Brasil pelo menos, uma vez
desvendado o crime e preso o suspeito, perde-se totalmente o interesse por ele.
Em outros países os presos são estudados para saber sobre facilidade de acesso
a armas e drogas, modus operandi, técnicas de dissuasão, carreira criminal.
Aqui são bastante raras as pesquisas que procuram explorar mais informações
desta fonte valiosa e menosprezada.
Uma exceção foram dois relatórios
produzidos pelo Depen em 2007 e 2008 com o perfil dos presos nos estabelecimentos
federais. A amostra de 249 casos é enviesada pois só vão para os presídios
federais de segurança máxima os presos que oferecem perigo nos seus estados de
origem, que cometeram crimes graves e exerciam alguma liderança nos presídios
estaduais. A metodologia também peca por não garantir anonimato. Não obstante,
ainda assim a pesquisa traz inúmeros insights sobre fatores de risco e de
proteção para o envolvimento com o crime e sobre o que pensam os criminosos
sobre alguns temas.
Assim, por exemplo, o perfil
aponta que em média 13% dos entrevistados serviu o exército, proporção maior do
que o percentual nacional, que gira em torno de 4,5 a 5% dos alistados em cada
ano. Fazer o serviço militar não parece ser um fator protetivo para o envolvimento
com o crime, mas antes o contrário. O afastamento do mercado de trabalho e da
escola e a familiarização com armas de fogo e táticas de combate podem ser
incentivos para o envolvimento com o crime?
Mais de 40% cresceram em lares
onde os pais eram separados, a mãe solteira ou o pai desconhecido, corroborando
a literatura criminológica que aponta lares monoparentais como fator de risco
criminal. Cerca de 60% eram provenientes de famílias numerosas e tinham mais de
quatro irmãos, o que implica em menor supervisão parental. Ainda no rol dos
fatores de risco vemos a baixa renda familiar (55% com renda familiar inferior
a 3 salários), a ausência de crença religiosa (17,6% entre os presos de
Catanduva X 9,7% entre os homens em geral, no Censo de 2010), envolvimento
prévio de algum familiar com crime (26,4% dos presos em Catanduva e 37% em
Campo Grande declararam familiar preso, principalmente por roubo, homicídio e
tráfico), o envolvimento com drogas (61% dos presos de Catanduva e 51% de Campo
Grande já usaram drogas na vida, em especial maconha, cocaína e crack em
contraste com 11% da população adulta, estimado pelo LENAD 2012), início precoce na criminalidade (cerca de 63%
dos presos de Catanduva e quase metade dos de Campo Grande cometeram o primeiro
delito antes de completar 21 anos). Baixa escolaridade e desemprego ou emprego
precário também figuram na lista dos fatores de risco (58% dos entrevistados
nesta situação na época do primeiro delito) embora esta condição seja comum
entre os jovens.
A pesquisa perguntou as razões
que os levaram a cometer o primeiro delito e os criminosos de Catanduva listaram,
nesta ordem: dificuldades financeiras (28,6%), más companhias (25%), não sabe dizer
(21,3%), desemprego (7,3%), desentendimento (7,3%) e drogas (5,8%). Em Campo
Grande a ordem foi: más companhias
(41,4%), dificuldades financeiras (25,2%), desemprego (9,9%), drogas (9,9%),
curiosidade (7,2%) e desentendimento (7,2%).
Embora a motivação varie em
função do tipo de crime, é curioso que os criminosos apontem as más companhias
como um dos principais motivos. Andar com pares delinquentes é um dos grandes
fatores de risco na literatura criminológica e algo pouco estudado por aqui.
Por outro lado, as drogas, que merecem grande destaque entre os “especialistas”
como responsáveis pela criminalidade, aparecem relativamente pouco nas menções
dos criminosos.
Outro aspecto de interesse para o
entendimento de políticas públicas dissuasórias é conhecer o que temem os
criminosos. Pelo menos para os entrevistados de Catanduva, a pena de prisão
aparenta não ter muito efeito intimidatório: apenas 1,5% dos detidos ali
respondeu que teve medo de ser preso quando cometeu o delito. Sendo correta a
estimativa, de pouco adianta a ameaça de penas maiores se o criminoso não teme
a prisão ou acha que a probabilidade de ser capturado é baixa. Com efeito, 36%
deles afirmaram não ter medo de nada e os maiores medos confessados foram
trocar tiros com a polícia ou as vítimas (22%) ou ser reconhecido ou visto por
alguém (11%). A questão precisa, contudo, ser melhor explorada em futuras
pesquisas pois as estimativas foram bastante diferentes entre os detidos em
Campo Grande, onde 48,6% confessou que o maior medo no início da vida no crime
era ser preso...
Mais do explorar os resultados
substantivos destes dois levantamentos, a intenção aqui é chamar a atenção para
um tipo de fonte e de metodologia que é pouco utilizada no Brasil mas que pode
trazer subsídios relevantes para ajudar a traçar políticas de segurança pública
mais eficientes, atuando sobre os fatores de risco.
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