A CRIN
(Childs Rights International Network) é uma rede que monitora os
direitos das crianças pelo mundo desde 1991. O site da rede atualiza
sistematicamente a idade da responsabilidade penal nos diversos países (MACR –
minimal age of crime responsability) e em quais deles se está discutindo o
rebaixamento ou o aumento da idade penal.
Uma
consulta ao site revela que Dinamarca (2010), Geórgia (2008), Hungria (2012) e
Panamá (2010) passaram legislações recentes diminuindo a idade de
responsabilização penal (em geral, de 14 para 12 anos, lembrando que no Brasil, na minha interpretação e de muitos outros, a idade de responsabilização já é de 12 anos e não de 18. Dos 12 aos 18 temos uma
justiça juvenil específica e o cumprimento de medidas de internação em
estabelecimentos separados, mas há responsabilização pelo ECA ).
Além destes
quatro países, estavam em discussão medidas de rebaixamento na Argentina,
Bolívia, Brasil, França, Índia, Coreia, México, Peru, Filipinas, Rússia,
Espanha e Uruguai – neste último um plebiscito rejeitou o rebaixamento em
outubro de 2014.
O debate ocorre nas mais diferentes regiões do planeta –
Américas do Sul e Central, Europa, Ásia – mas há uma concentração em países de língua
hispânica (7 dos 15 países). Pode existir assim um efeito contágio, com países
emulando a discussão de outros similares.
Na maioria
dos casos o rebaixamento vale para crimes graves como os homicídios, mas os
dados não nos permitem ainda tirar conclusões sobre o efeito da medida sobre os
homicídios pois as séries históricas disponíveis são curtas. Além disso, podem
existir inúmeras outras variáveis não controladas que expliquem as tendências
observadas, para além da alteração da idade penal. Tampouco os dados parecem
muito confiáveis e seria preciso aperfeiçoar a coleta antes de tentar alguma
avaliação válida.
Em todo
caso, uma curiosidade é que a discussão veio à tona
não apenas em países onde os homicídios são elevados e crescentes (Bolívia,
México, Panamá, Peru, Brasil), mas também em países onde os homicídios são
relativamente baixos e não apresentam tendência aparente de crescimento, como
Dinamarca, França, República da Coreia, Espanha ou Hungria). Assim, o nível –
considerado em termos de taxa e não absolutos - ou tendência dos homicídios não
parecem explicar integralmente o interesse pela questão do rebaixamento da
idade penal nos países.
É possível
que outros crimes, como roubos, tenham aumentado em alguns destes países,
inflando a sensação de insegurança e estimulando os parlamentos a passarem
resoluções mais “duras” contra o crime, no ciclo bem conhecido de criação
legislativa denominado “populismo penal”. Assim, é preciso acompanhar também as
tendências subjetivas de insegurança, pois estas podem crescer mesmo que os
crimes estejam com tendência de queda.
A cobertura
de crimes graves cometidos por crianças e adolescentes, por exemplo, pode
servir de estopim para aumentar a insegurança e reascender as discussões. Foi o
caso na Espanha em 2009 após duas meninas serem violentadas por um grupo de
meninos de 12 e 13 anos e do Brasil após o assassinato de um casal de
adolescentes em 2003. Finalmente, em alguns países os tratados internacionais
assinados e a Constituição dificultam ou vedam o rebaixamento, impedindo que o
debate prolifere.
Em resumo,
a emergência da discussão sobre idade mínima de responsabilização penal, como
qualquer alteração penal significativa, envolve um contexto complexo do qual fazem
parte não apenas os níveis e tendências criminais, mas também a inseguridade
subjetiva, contágio, eventos históricos específicos e o sistema legal de cada
país.
E qual o
padrão de idade mínima observada nos outros países? Esta discussão é confusa
pois uma coisa é a idade mínima de responsabilização penal (MACR) e outra é a
idade em que o indivíduo para a ser julgado plenamente de acordo com a
legislação penal comum, por um juizado comum e cumpre pena em estabelecimento
penal comum, como adulto. Em geral, como no Brasil, temos não uma, mas duas ou
mais idades limite: antes dos 12 anos, nenhuma responsabilização, dos 12 aos 18
há responsabilização, mas o jovem esta sujeito a uma legislação especial (ECA),
a uma justiça especial e cumpre medida sócio educativa em estabelecimentos
juvenis.
O mesmo
ocorre em boa parte dos demais países. A média
mundial de 225 países é de 11,3 anos, maior na Europa e menor na África e Ásia, mas bastante
próximo ao que o ECA estabelece no Brasil, que é 12 anos.
Mas, como
discutido, isto não quer dizer que acima desta idade os jovens sejam tratados
nestes países como adultos plenos pela justiça. Em boa parte dos países há uma
faixa intermediária onde, como vimos, aplicam-se leis e procedimentos específicos,
próprios para jovens. Esta faixa no Brasil vai até os 18 anos, assim como na
média da Europa Ocidental e da América do Sul. Tomando todos os países a média
cai para 15,2 anos, puxada para baixo pela Oceania.
Embora
acima da média mundial neste segundo limite, não somos um caso único ou extravagante
quando adotamos estes limites, mas estamos em linha com a legislação de um
grupo de países “avançados”. Mas, mais importante que a definição dos limites é
saber se, uma vez ultrapassado, o jovem passa a responder plenamente como
adulto ou se ainda será protegido de algum modo pela sociedade, com leis
próprias, avaliado por um ramo especializado da justiça e submetido a
internação, em último caso, em estabelecimentos adequados a sua etapa de
desenvolvimento.
Não estão
em jogo aqui apenas argumentos utilitários – como os efeitos sobre a
criminalidade – ou biológicos, sobre a partir de que momento na vida o ser
humano passa a ter capacidade de compreender plenamente seus atos. Trata-se antes
de tudo de uma opção de política pública, de uma escolha sobre o tipo de
sociedade que queremos ser.
Fontes:
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