Nas últimas décadas, parece ter havido um alargamento da questão de segurança pública tanto do ponto de vista conceitual quanto do administrativo: de problema estritamente policial passou a questão multidisciplinar, envolvendo diversos níveis e instâncias administrativas. E este processo de alargamento ocorreu depois da Constituição de 1988, que em nada alterou o papel da Federação nem dos municípios na esfera da segurança, apesar da tendência municipalista em diversas outras esferas.
Em nível federal, são marcos desse processo de
alargamento: a criação da Secretaria
Nacional de Segurança Pública (Senasp) em 1995, do INFOSEG (Sistema de informações criminais da
Secretaria Nacional de Segurança Pública) do Conselho Nacional de
Segurança Pública (Conasp) e a elaboração do Plano Nacional de Segurança
Pública em 2000 – que trouxe consigo o estabelecimento do Fundo Nacional de
Segurança Publica – com recursos anuais em torno de 300 milhões de reais para
investimento em recursos humanos e materiais das Polícias. Com relação ao Fundo
Nacional de Segurança Pública, assinale-se que ele abriu a possibilidade para
que não apenas as Polícias estaduais, mas também os municípios requisitassem
recursos do Governo federal para projetos de segurança. Isto significa que o
Governo federal viu como legítima e procurou incentivar desde então a atuação
dos governos locais em segurança.
O acesso aos recursos pelos municípios é vinculado à
apresentação de projetos congruentes com a política de segurança pública do
Governo federal e, para tanto, deve atender algumas solicitações específicas,
entre elas a elaboração de um Plano Municipal de Segurança. Neste sentido, a
Senasp tem orientado os municípios para que os Planos sejam compostos de
diagnósticos (área geográfica, problemas da região,
dos principais crimes e ocorrências policiais, características sociais,
econômicas etc.) dos problemas existentes e de ações relevantes para seu
enfrentamento.
Outra característica sugerida pela Senasp é a ênfase
na prevenção. O governo federal passou a adotar a ótica preventiva desde 2001
com o pioneiro programa Piaps (Plano
de Integração e Acompanhamento dos Programas Sociais de Prevenção à Violência)
gerenciado pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência durante a
gestão do general Cardoso. Os governos seguintes mantiveram esta postura
preventiva e visão do município como ente complementar no esforço de redução da
criminalidade. Assim, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania
(Pronasci), teve como meta a articulação de políticas específicas de segurança
com ações sociais. De acordo com o Ministério da Justiça, os eixos centrais do
programa voltam-se para a valorização dos profissionais de segurança pública, a
reestruturação do sistema penitenciário, o combate à corrupção policial e o
envolvimento da comunidade na prevenção da violência.
Finalmente, nesta linha preventiva e colocado em
prática pelo atual governo temos o projeto Em Frente Brasil, de iniciativa do
Ministério da Justiça. Trata-se de um projeto piloto iniciado em cinco
municípios com o objetivo de reduzir a criminalidade violenta, através de uma
nova metodologia que aposta na prevenção social e repressão qualificada,
integração entre os diversos atores em diferentes níveis de governo,
diagnóstico local da criminalidade, contratos locais com os municípios, etc.
Detalhes sobre o projeto podem ser facilmente obtidos no site do Ministério da
Justiça. (https://www.justica.gov.br/news/collective-nitf-content-1567102301.36).
A criação destes novos órgãos, práticas, projetos e
fundos na última década evidenciam, portanto, claramente a intenção do Governo
federal de trazer para si parte da responsabilidade pela questão da segurança
pública. Os municípios são vistos como parceiros neste esforço, principalmente
através de ações preventivas. Além disso, traço comum nos programas, as ações
devem ser precedidas de diagnósticos, ter foco territorial e demográfico e
devem ser avaliadas com evidências. De modo geral, do PIAPS ao programa Em
Frente Brasil, estas tem sido as diretrizes dos governos federais com relação
ao papel dos municípios na segurança.
O governo federal publicou em 2022 um novo documento
atualizando como funcionará o novo Plano Nacional de Segurança Pública, com
diversas menções e regras para os municípios que quiserem receber recursos
federais. O termo “município” é mencionado 34 vezes no texto e entre outros
conceitos o PNSP menciona que os Estados e Municípios são parte do SUSP e
protagonistas no processo de construção de uma sociedade mais segura e que os
entes federativos são autônomos. Reconhece que boa parte das ações preventivas
de segurança pública está sob responsabilidade dos estados e municípios e
explicita que os entes federativos participam da governança e da avaliação do
PNSP.
Entre as responsabilidades assumidas pelo governo
federal com relação aos demais entes federativos estão, entre outras tarefas: “desenvolver,
apoiar e implementar programas e projetos destinados às ações preventivas e de
salvaguarda, e conjugar esforços de setores públicos e privados, inclusive de
polícia comunitária e de atuação municipal; “padronizar tecnologicamente e
integrar as bases de dados sobre segurança pública entre União, Estados, Distrito
Federal e Municípios por meio da implementação do SINESP” e “estimular a
padronização da formação, da capacitação e da qualificação dos profissionais de
segurança pública, respeitadas as especificidades e as diversidades regionais,
em consonância com esta Política, nos âmbitos federal, estadual, distrital e
municipal”.
Finalmente, há menções diretas no PNSP ao papel do
governo federal na ajuda aos Municípios para que elaborem seus Planos e
diagnósticos locais. Especificamente, o PNSP estipula que cabe ao governo
federal “orientar os entes federativos quanto ao diagnóstico, elaboração,
conteúdo e forma dos planos de segurança pública e defesa social, visando o
alinhamento com a PNSPDS e o PNSP” e “apoiar, tanto financeira quanto
metodologicamente, a elaboração de planos estratégicos de segurança pública e
defesa social dos entes federativos integrantes do Sistema Único de Segurança
Pública - Susp, alinhados ao Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa
Social 2021-2030”. A ideia é, portanto que os Planos Municipais estejam alinhados
aos objetivos gerais do Plano Nacional, ainda que possam incluir outros
objetivos.
Mas se o PNSP se propõe a auxiliar os municípios, por
outro lado também estipula, como de costume, algumas exigências. Os detalhes do
processo de envio e avaliação dos Planos não estão plenamente estabelecidos,
mas sabe-se que os Planos Municipais serão analisados pelo Ministério da
Justiça e serão aprovados ou não, para efeito de recebimento de recursos, somente
se cumprirem alguns requisitos.
Entre outros, os Planos Municipais deverão conter:
1. Diagnóstico
da segurança pública no contexto do ente federativo;
2. Descrição
do método utilizado para elaboração do plano de segurança pública e defesa
social do ente federativo;
3. Alinhamento
do plano de segurança pública e defesa social do ente federativo com o
planejamento estratégico e com o orçamento do ente federativo;
4. Fontes de
financiamento do plano de segurança pública e defesa social;
5. Período de
vigência do plano de segurança pública e defesa social;
6. Ações
estratégicas com o detalhamento dos responsáveis, dos prazos e do alinhamento
com as ações estratégicas do Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa
Social 2021-2030;
7. Metas e
indicadores relacionados às ações estratégicas do plano de segurança pública e
defesa social do ente federativo;
8.
Monitoramento e avaliação do plano de segurança pública e defesa social do ente
federativo, com o detalhamento dos padrões de controle e dos ciclos de
monitoramento alinhados cronologicamente com o ciclo de monitoramento do Plano
Nacional de Segurança Pública e Defesa Social 2021-2030;
9. Estrutura
de governança do plano de segurança pública e defesa social do ente federativo;
O Plano Nacional estipula ainda uma série de metas e
indicadores a serem atingidas pelo governo federal até 2030 e que os Planos
Municipais também devem trazer suas metas e indicadores. Algumas delas não tem
relação com a atuação municipal, como por exemplo, as metas relativas ao
sistema prisional. Mas outras metas e indicadores criminais, quando cabíveis,
poderiam ser adotados também pelos municípios. O quadro abaixo traz algumas
destas metas quantitativas que os Planos Municipais podem adotá-las, se ainda
não atingidas.
·
Meta 1: Reduzir a taxa nacional de homicídios para abaixo de 16 mortes
por 100 mil habitantes até 2030
·
Meta 2: Reduzir a taxa nacional de lesão corporal seguida de morte para
abaixo de 0,30 morte por 100 mil habitantes até 2030
·
Meta 3: Reduzir a taxa nacional de latrocínio para abaixo de 0,70 morte
por 100 mil habitantes até 2030.
·
Meta 4: Reduzir a taxa nacional de mortes violentas de mulheres para
abaixo de 2 mortes por 100 mil mulheres até 2030
·
Meta 5: Reduzir a taxa nacional de mortes no trânsito28 para abaixo de 9
mortes por 100 mil habitantes até 2030.
·
Meta 6: Reduzir o número absoluto de vitimização de profissionais de
segurança pública em 30% até 2030
·
Meta 7: Reduzir o número absoluto de suicídio de profissionais de
segurança pública em 30% até 2030
·
Meta 8: Reduzir a taxa de furto
de veículos para abaixo de 140 ocorrências por 100 mil veículos até 2030.
·
Meta 9: Reduzir a taxa de roubo de veículos para abaixo de 150
ocorrências por 100 mil veículos até 2030
Uma vantagem da adoção
destas metas, além da padronização e comparabilidade com outros municípios e
Estado, é que os indicadores serão disponibilizados em nível municipal pelo
governo federal. Caso o município já esteja dentro da meta, ele poderia adotar,
alternativamente, a mesma taxa anual de redução do indicador adotada pelo governo
federal, ou ainda estipular sua própria taxa, já que a redução é relativamente
mais fácil para os municípios mais violentos e mais difícil para aqueles que já
reduziram a criminalidade e violência a níveis menores.
O PSD administra mais
de 500 cidades em todo o país e muitas delas atuam na esfera de segurança
através das Guardas, secretarias de segurança e projetos preventivos das mais
diferentes áreas municipais. É importante ficar de olho, portanto, nas novas
regras e conceitos estabelecidos pelo governo federal. Estas regras e conceitos
devem orientar os futuros Planos Municipais de Segurança e quem quiser contar
com dinheiro da União, precisará levar em conta as regras do jogo.
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