terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Tendências criminais nacionais: dados ruins, gestão ruim

Tendências criminais nacionais

Imagine como seria desenvolver políticas econômicas usando as taxas de inflação de 2014. Pois é mais ou menos o que acontece na área da segurança pública no Brasil. Embora o Governo Federal tenha dados mais recentes, o site do SINESP disponibiliza para a sociedade informações sobre 6 naturezas criminais, desagregadas apenas em nível estadual, para o período 2011 a 2014. De lá para cá os crimes diminuíram ou aumentaram? Quanto? Onde? São perguntas essenciais para avaliarmos as políticas de segurança adotadas pelos governos e entendermos as mais recentes “crises da segurança”. A ausência de dados básicos sobre criminalidade já é uma indicação dos problemas de gestão que existem na área e porque as tais crises na segurança são recorrentes.

Existem dados mais atualizados? O Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que publica o Anuário Brasileiro de Segurança Pública a partir de dados coletados junto à Senasp e as SSPs estaduais, publicou este ano em seu site informações mais atualizadas, até 2015, para alguns indicadores criminais selecionados. Mas ainda nada para o ano de 2016, muito embora diversas Secretarias estaduais publiquem dados criminais mensais em seus sites.

A análise de tendências que apresentaremos aqui está baseada numa amostra destes dados publicados pelas SSPs estaduais e traz informações relativas a 2016. (que podem ser consultados neste blog: http://tuliokahn.blogspot.com.br/p/taxas-criminais-estados.html)

A intenção é acompanhar alguns indicadores principais e cujos conceitos são razoavelmente compartilhados entre os Estados: homicídios, roubos, furtos, latrocínios e estupros. Os dados desta amostra são sabidamente enviesados, pois os Estados mais ricos do Sudeste e Sul são também aqueles que mantem uma tradição na coleta, qualidade e divulgação de informações criminais, em contraste com os Estados do Nordeste e Norte, que quase nada disponibilizam. A quantidade de Estados que fornecem as estatísticas varia também de crime para crime. É problemático portanto comparar estes dados da amostra 2012/2016 com os dados absolutos divulgados pelo Ministério da Justiça até 2014 ou pelo FBSP para o período 2011 a 2015, que usam informações de todos os Estados.

Não obstante as diferenças metodológicas, acreditamos que é possível identificar algumas macrotendências recentes, que possibilitam por seu turno verificar não apenas as tendências gerais como também, mais interessante, os Estados que tem conseguido escapar destas forças. Exceções que são úteis aprofundar, afim de identificar que fatores podem explicar porque foram melhor ou pior sucedidos do que os demais no confronto da criminalidade.

O site do FBSP traz dados de roubo de veículos até 2015 e sugere crescimento desta modalidade criminal no País. Note-se que o pico parece ter ocorrido em 2014 caindo ligeiramente em 2015. Alguns Estados apenas escaparam desta tendência de crescimento, merecendo destaque São Paulo e Amazonas. Por sua vez, a amostra de 8 Estados, já com dados de 2016, mostra tendência de alta dos roubos de veículos entre 2012 e 2016, sendo o Estado de São Paulo a exceção entre os que disponibilizam informações sobre roubo de veículos. Ambos apontam para o crescimento generalizado do roubo de veículos. Resta saber se já atingimos o pico ou se continua subindo.

Para furto de veículos o site do FBSP traz informações apenas para o período 2013 a 2015, cuja análise mostra o crescimento do fenômeno de 2013 para 2014 seguido de ligeira queda no ano seguinte. Note-se que a diminuição em São Paulo em 2015 foi a maior responsável que desaceleração observada em nível nacional, embora tenha havido quedas menores em 2015 também em AL, BA, DF, ES, MT, RJ e RR. A amostra das taxas médias de furto de veículos para 7 estados que disponibilizam a informação, por sua vez,  sugere ter havido crescimento linear anual durante o período 2012 a 2016. Observe-se, contudo, que GO e PR explicam boa parte do crescimento em 2016 e que os demais Estados mostram comportamento praticamente estável comparando os dois últimos anos. SP é o único dos 6 onde registrou-se leve queda.

Infelizmente nem o site do FBSP nem o Sinesp trazem estatísticas isoladas para roubos em geral no período analisado. Por outro lado, uma amostra das taxas médias de 10 Estados que publicam estatísticas de roubo sugere crescimento linear entre 2012 e 2016. Esta tendência parece estar em linha com as demais observadas com relação aos crimes patrimoniais e é coerente com o cenário de crise econômica nacional, que tende a acirrar a criminalidade patrimonial. Todos os Estados, sem exceção, mostram um cenário de crescimento dos roubos no período.

Também inexistem estatísticas isoladas de furtos em geral nos sites do FBSP ou do Sinesp, de modo que é possível recorrer apenas a uma amostra de 9 Estados que publicam este indicador pela internet. Aqui não podemos falar de tendência nacional. AM, RJ, SP e RS mostram estabilidade ou mesmo pequena queda nos furtos, enquanto GO, MS, MT e PR indicam crescimento de furtos, de modo que o padrão nacional é uma resultante de tendências distintas. De todo modo, é preciso ser bastante cuidadoso ao falar de furtos pois o indicador é bastante sujeito a flutuações devido à notificação.

Coerente com o observado nos roubos, os números absolutos trazidos pelo site do FBSP apontam um crescimento dos casos de latrocínio no país entre 2011 e 2015. Os números absolutos pequenos dificultam a análise desagregada mas a tendência parece ser generalizada. Observe-se, contudo, que tanto no RJ quanto em SP e GO o pico ocorreu em 2014, seguido de leve queda no ano seguinte. Os dados da amostra de 10 Estados, por sua vez, indicam crescimento linear dos latrocínios entre 2012 e 2016. Em SP as taxas ficaram estáveis e no DF apresentam queda, mas no restante da amostra a tendência foi de crescimento no período.

Em contraste com os crimes patrimoniais, as lesões corporais dolosas parecem estar em queda, pelo menos a nos fiarmos nas taxas divulgadas por 5 estados no período. A média da amostra passa de 532: 100 mil em 2012 para 396:100 mil em 2016. Infelizmente não existem dados sobre este indicador no Sinesp ou no site do FBSP para permitir uma aferição. A queda das lesões corporais pode explicar em parte a estabilidade nos homicídios em muitos Estados, não obstante o agravamento do desemprego e da crise social.

Os Estados do AC, PI e SE não forneceram ao FBSP dados de homicídios dolosos para 2014 e 2015. Contudo, se para efeitos de comparação estimarmos que repetiram a tendência do último ano disponível, teríamos nacionalmente uma elevação dos homicídios entre 2011 e 2014, seguidos de uma queda em 2015. Os responsáveis pela queda dos homicídios em 2015 seriam AL, AP, BA, CE, DF, ES, MG, MS, MT, PB, PR, RJ, RN, e SP. Trata-se, portanto de uma queda generalizada entre os Estados e não de artifício estatístico provocado por algum caso desviante. Aparentemente, 2014 teria sido o auge dos homicídios no período analisado, coincidindo com o pico observado em alguns indicadores de crimes patrimoniais.

Quanto aos dados amostrais que incluem informações sobre homicídios em 2016, dezenove dos vinte sete Estados publicam estatísticas de homicídios ou CVLIs. É digno de nota que os dados da amostra sugerem igualmente que 2014 tenha sido o pico do histórico recente de homicídios, seguido de leves queda em 2015 e 2016. Mais uma vez é preciso ser cuidadoso pois a tendência nacional é uma junção de tendências opostas, com tendências estaduais de aumento e queda anulando-se mutuamente. De todo modo, aparentemente não houve um aumento generalizado dos homicídios após 2014, diferentemente do que sugere a sensação de segurança, com as crises do sistema penitenciário e do Espirito Santo.

Finalmente, no que diz respeito aos estupros – também bastante sujeitos a subnotificação – observamos um aumento entre 2011 e 2013, seguido de queda nos números absolutos em 2014 e 2015, segundo os dados do FBSP. É preciso tomar cuidado com os dados de MG, muito irregulares, mas na maioria dos Estados os dados se conformam ao formato de sino sugerido. Para o ano de 2016, 7 das 27 Ufs divulgaram dados de estupro. Ao contrário dos dados absolutos, as taxas médias sugerem uma queda acentuada dos estupros entre 2012 e 2015, seguido de quase estabilidade em 2016. Diferente dos demais estados, GO e AM mostram ligeiras tendências de crescimento.

Lembre-se que as diferenças entre os números do FBSP e as taxas da amostra são várias: no primeiro caso trabalhamos com números absolutos de todos os Estados, cobrindo o período 2011 a 2015 e na amostra com um número menor de Estados, cobrindo taxas médias, do período 2012 a 2016. Isto explica em parte porque as fontes podem mostrar tendências incongruentes.

O mais significativo é que, não obstante as diferenças de cobertura, ambas as fontes mostrem tendências similares para a maioria dos crimes: crescimento de quase todos os crimes patrimoniais, em particular roubos e latrocínios, concomitantemente ao acirramento da crise econômica herdada. São Paulo aparentemente tem se saído relativamente melhor do que os demais estados durante a crise.

Por outro lado, vemos relativa estabilização dos homicídios após 2014 e queda das lesões corporais dolosas e provavelmente dos estupros. 

Assim, ao contrário do que os episódios nas prisões e no Espírito Santo sugerem, não estamos vivenciando um crescimento de todos os crimes em todos os lugares. Ha crimes em queda e Estados melhorando em alguns indicadores. O próprio Espírito Santo vinha mostrando melhoras nos roubos de veículos, homicídios e estupros. Mas é difícil visualizar  isso, entender o fenômeno e colocar em prática políticas de segurança apropriadas,  trabalhando com informações criminais parciais e desatualizadas. Os economistas, os profissionais da área de saúde e educação já perceberam isso há muito tempo. Os juristas geniais “gestores” da nossa segurança, infelizmente, não. 

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