Tendências criminais nacionais
Imagine como seria desenvolver políticas econômicas usando as taxas de
inflação de 2014. Pois é mais ou menos o que acontece na área da
segurança pública no Brasil. Embora o Governo Federal tenha dados mais
recentes, o site do SINESP disponibiliza para a sociedade informações sobre 6
naturezas criminais, desagregadas apenas em nível estadual, para o período 2011
a 2014. De lá para cá os crimes diminuíram ou aumentaram? Quanto? Onde? São
perguntas essenciais para avaliarmos as políticas de segurança adotadas pelos
governos e entendermos as mais recentes “crises da segurança”. A ausência de
dados básicos sobre criminalidade já é uma indicação dos problemas de gestão
que existem na área e porque as tais crises na segurança são recorrentes.
Existem dados mais atualizados? O Fórum Brasileiro de Segurança Pública,
que publica o Anuário Brasileiro de Segurança Pública a partir de dados
coletados junto à Senasp e as SSPs estaduais, publicou este ano em seu site
informações mais atualizadas, até 2015, para alguns indicadores criminais
selecionados. Mas ainda nada para o ano de 2016, muito embora diversas
Secretarias estaduais publiquem dados criminais mensais em seus sites.
A análise de tendências que apresentaremos aqui está baseada numa
amostra destes dados publicados pelas SSPs estaduais e traz informações
relativas a 2016. (que podem ser consultados neste blog: http://tuliokahn.blogspot.com.br/p/taxas-criminais-estados.html)
A intenção é acompanhar alguns indicadores principais e cujos conceitos são razoavelmente compartilhados entre os Estados: homicídios, roubos, furtos, latrocínios e estupros. Os dados desta amostra são sabidamente enviesados, pois os Estados mais ricos do Sudeste e Sul são também aqueles que mantem uma tradição na coleta, qualidade e divulgação de informações criminais, em contraste com os Estados do Nordeste e Norte, que quase nada disponibilizam. A quantidade de Estados que fornecem as estatísticas varia também de crime para crime. É problemático portanto comparar estes dados da amostra 2012/2016 com os dados absolutos divulgados pelo Ministério da Justiça até 2014 ou pelo FBSP para o período 2011 a 2015, que usam informações de todos os Estados.
A intenção é acompanhar alguns indicadores principais e cujos conceitos são razoavelmente compartilhados entre os Estados: homicídios, roubos, furtos, latrocínios e estupros. Os dados desta amostra são sabidamente enviesados, pois os Estados mais ricos do Sudeste e Sul são também aqueles que mantem uma tradição na coleta, qualidade e divulgação de informações criminais, em contraste com os Estados do Nordeste e Norte, que quase nada disponibilizam. A quantidade de Estados que fornecem as estatísticas varia também de crime para crime. É problemático portanto comparar estes dados da amostra 2012/2016 com os dados absolutos divulgados pelo Ministério da Justiça até 2014 ou pelo FBSP para o período 2011 a 2015, que usam informações de todos os Estados.
Não obstante as diferenças metodológicas, acreditamos que é possível
identificar algumas macrotendências recentes, que possibilitam por seu turno verificar
não apenas as tendências gerais como também, mais interessante, os Estados que
tem conseguido escapar destas forças. Exceções que são úteis aprofundar, afim
de identificar que fatores podem explicar porque foram melhor ou pior sucedidos
do que os demais no confronto da criminalidade.
O site do FBSP traz dados de roubo de veículos até 2015 e sugere
crescimento desta modalidade criminal no País. Note-se que o pico parece ter
ocorrido em 2014 caindo ligeiramente em 2015. Alguns Estados apenas escaparam
desta tendência de crescimento, merecendo destaque São Paulo e Amazonas. Por
sua vez, a amostra de 8 Estados, já com dados de 2016, mostra tendência de alta
dos roubos de veículos entre 2012 e 2016, sendo o Estado de São Paulo a exceção
entre os que disponibilizam informações sobre roubo de veículos. Ambos apontam
para o crescimento generalizado do roubo de veículos. Resta saber se já
atingimos o pico ou se continua subindo.
Para furto de veículos o site do FBSP traz informações apenas para o
período 2013 a 2015, cuja análise mostra o crescimento do fenômeno de 2013 para
2014 seguido de ligeira queda no ano seguinte. Note-se que a diminuição em São
Paulo em 2015 foi a maior responsável que desaceleração observada em nível
nacional, embora tenha havido quedas menores em 2015 também em AL, BA, DF, ES,
MT, RJ e RR. A amostra das taxas médias de furto de veículos para 7 estados que
disponibilizam a informação, por sua vez, sugere ter havido crescimento linear anual
durante o período 2012 a 2016. Observe-se, contudo, que GO e PR explicam boa
parte do crescimento em 2016 e que os demais Estados mostram comportamento
praticamente estável comparando os dois últimos anos. SP é o único dos 6 onde
registrou-se leve queda.
Infelizmente nem o site do FBSP nem o Sinesp trazem estatísticas
isoladas para roubos em geral no período analisado. Por outro lado, uma amostra
das taxas médias de 10 Estados que publicam estatísticas de roubo sugere
crescimento linear entre 2012 e 2016. Esta tendência parece estar em linha com
as demais observadas com relação aos crimes patrimoniais e é coerente com o
cenário de crise econômica nacional, que tende a acirrar a criminalidade
patrimonial. Todos os Estados, sem exceção, mostram um cenário de crescimento
dos roubos no período.
Também inexistem estatísticas isoladas de furtos em geral nos sites do
FBSP ou do Sinesp, de modo que é possível recorrer apenas a uma amostra de 9
Estados que publicam este indicador pela internet. Aqui não podemos falar de
tendência nacional. AM, RJ, SP e RS mostram estabilidade ou mesmo pequena queda
nos furtos, enquanto GO, MS, MT e PR indicam crescimento de furtos, de modo que
o padrão nacional é uma resultante de tendências distintas. De todo modo, é
preciso ser bastante cuidadoso ao falar de furtos pois o indicador é bastante
sujeito a flutuações devido à notificação.
Coerente com o observado nos roubos, os números absolutos trazidos pelo
site do FBSP apontam um crescimento dos casos de latrocínio no país entre 2011
e 2015. Os números absolutos pequenos dificultam a análise desagregada mas a
tendência parece ser generalizada. Observe-se, contudo, que tanto no RJ quanto
em SP e GO o pico ocorreu em 2014, seguido de leve queda no ano seguinte. Os
dados da amostra de 10 Estados, por sua vez, indicam crescimento linear dos
latrocínios entre 2012 e 2016. Em SP as taxas ficaram estáveis e no DF
apresentam queda, mas no restante da amostra a tendência foi de crescimento no
período.
Em contraste com os crimes patrimoniais, as lesões corporais dolosas
parecem estar em queda, pelo menos a nos fiarmos nas taxas divulgadas por 5
estados no período. A média da amostra passa de 532: 100 mil em 2012 para
396:100 mil em 2016. Infelizmente não existem dados sobre este indicador no
Sinesp ou no site do FBSP para permitir uma aferição. A queda das lesões
corporais pode explicar em parte a estabilidade nos homicídios em muitos
Estados, não obstante o agravamento do desemprego e da crise social.
Os Estados do AC, PI e SE não forneceram ao FBSP dados de homicídios
dolosos para 2014 e 2015. Contudo, se para efeitos de comparação estimarmos que
repetiram a tendência do último ano disponível, teríamos nacionalmente uma
elevação dos homicídios entre 2011 e 2014, seguidos de uma queda em 2015. Os
responsáveis pela queda dos homicídios em 2015 seriam AL, AP, BA, CE, DF, ES,
MG, MS, MT, PB, PR, RJ, RN, e SP. Trata-se, portanto de uma queda generalizada
entre os Estados e não de artifício estatístico provocado por algum caso
desviante. Aparentemente, 2014 teria sido o auge dos homicídios no período
analisado, coincidindo com o pico observado em alguns indicadores de crimes
patrimoniais.
Quanto aos dados amostrais que incluem informações sobre homicídios em 2016,
dezenove dos vinte sete Estados publicam estatísticas de homicídios ou CVLIs. É
digno de nota que os dados da amostra sugerem igualmente que 2014 tenha sido o
pico do histórico recente de homicídios, seguido de leves queda em 2015 e 2016.
Mais uma vez é preciso ser cuidadoso pois a tendência nacional é uma junção de
tendências opostas, com tendências estaduais de aumento e queda anulando-se
mutuamente. De todo modo, aparentemente não houve um aumento generalizado dos
homicídios após 2014, diferentemente do que sugere a sensação de segurança, com
as crises do sistema penitenciário e do Espirito Santo.
Finalmente, no que diz respeito aos estupros – também bastante sujeitos
a subnotificação – observamos um aumento entre 2011 e 2013, seguido de queda
nos números absolutos em 2014 e 2015, segundo os dados do FBSP. É preciso tomar
cuidado com os dados de MG, muito irregulares, mas na maioria dos Estados os
dados se conformam ao formato de sino sugerido. Para o ano de 2016, 7 das 27
Ufs divulgaram dados de estupro. Ao contrário dos dados absolutos, as taxas
médias sugerem uma queda acentuada dos estupros entre 2012 e 2015, seguido de
quase estabilidade em 2016. Diferente dos demais estados, GO e AM mostram
ligeiras tendências de crescimento.
Lembre-se que as diferenças entre os números do FBSP e as taxas da
amostra são várias: no primeiro caso trabalhamos com números absolutos de todos
os Estados, cobrindo o período 2011 a 2015 e na amostra com um número menor de
Estados, cobrindo taxas médias, do período 2012 a 2016. Isto explica em parte
porque as fontes podem mostrar tendências incongruentes.
O mais significativo é que, não obstante as diferenças de cobertura,
ambas as fontes mostrem tendências similares para a maioria dos crimes:
crescimento de quase todos os crimes patrimoniais, em particular roubos e
latrocínios, concomitantemente ao acirramento da crise econômica herdada. São
Paulo aparentemente tem se saído relativamente melhor do que os demais estados
durante a crise.
Por outro lado, vemos relativa estabilização dos homicídios após 2014 e
queda das lesões corporais dolosas e provavelmente dos estupros.
Assim, ao
contrário do que os episódios nas prisões e no Espírito Santo sugerem, não
estamos vivenciando um crescimento de todos os crimes em todos os lugares. Ha
crimes em queda e Estados melhorando em alguns indicadores. O próprio Espírito
Santo vinha mostrando melhoras nos roubos de veículos, homicídios e estupros. Mas
é difícil visualizar isso, entender o
fenômeno e colocar em prática políticas de segurança apropriadas, trabalhando com informações criminais parciais
e desatualizadas. Os economistas, os profissionais da área de saúde e educação
já perceberam isso há muito tempo. Os juristas geniais “gestores” da nossa
segurança, infelizmente, não.
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