Sim, todo mundo é inocente até que se prove o contrário. E todo mundo
tem direito a defesa. São princípios elementares do estado democrático de
direito e é com base nestas justificativas que advogados e defensores públicos
aceitam a defesa de pessoas, empresas e causas pouco populares. Suspeitos de
assassinato, corrupção, estupro, empresas poluidoras, industrias cancerígenas, etc.
podem e devem contar com a expertise profissional dos melhores do mercado e
defenderem-se de acusações, muitas vezes infundadas. O risco é deixar
criminosos escaparem de acusações verídicas, mas não comprovadas e inabilmente
conduzidas, mas é o preço que se paga pelas vantagens do Estado de Direito. Já
fui obrigado a me defender judicialmente de acusações infundadas e tive a
excelente ajuda de um ótimo criminalista! Faz parte das regras do jogo, embora
as pessoas comuns tenham alguma dificuldade em digerir a ideia de que “gente
ruim” acusada pela imprensa mereça ser defendida.
Desta dificuldade digestiva vem a celeuma em torno da indicação de
Alexandre de Moraes ao STF, por ter defendido no período em que advogou, o
ex-deputado Eduardo Cunha, Chalita ou uma empresa supostamente ligada ao PCC. É
curioso que esta lista de clientes famosos não foi impedimento ético para sua
indicação para a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo nem para o
Ministério da Justiça. Mesmo sabendo-se que como chefe do executivo, as
polícias civil e federal, sob seu comando formal, poderiam por ventura estar
conduzindo investigações sobre aqueles que até bem pouco tempo faziam parte da
lista de clientes do seu escritório de advocacia. Espera-se nestes casos
(talvez um tanto ingenuamente) que o titular da pasta mantenha estrita
neutralidade e não interfira na condução destas investigações, mesmo sabendo
que o cargo público é provisório e que talvez volte em breve ao mundo das
bancas privadas. Mas a bola foi levantada quando se tratou de indica-lo ao
Supremo.
O caso de Moraes está longe de ser exclusivo. Em todos os últimos
governos tivemos advogados criminalistas famosos indicados para secretarias de
segurança estaduais ou Ministério da Justiça. Por algum motivo pouco
compreensível, imagina-se que o conhecimento do Código Penal ou da Constituição
sejam critérios suficientes para gerir estruturas gigantescas que lidam com
tecnologias de ponta, orçamentos vultosos, contratação e formação de quadros, convênios
internacionais, uso eficiente de recursos públicos, compras e contratações, segredos
de estado, operações de policiamento e investigações complexas, políticas de
longo prazo, avaliação de experiências exitosas, etc. Em alguns estados a
condução da SSP é dada a Delegados da PF. Em outros a ex-membros das Forças
Armadas. Em São Paulo o cargo é quase sempre monopolizado pelos membros do
Ministério Público, monopólio quebrado vez por outra por algum jurista de
plantão. Isto explica em parte a situação da segurança pública no país.
Fazendo uma rápida listagem tivemos o advogado José Carlos Dias no
Ministério de FHC, cujo escritório defendeu Naji Nahas, Kátia Rabelo ou a Odebrecht, além de Miguel Reale Junior. No governo Lula
tivemos Marcio Thomas Bastos, defensor, entre outros, de Jose Roberto Salgado, Roger
Abdelmassih, Carlinhos Cachoeira, Edir Macedo, Wagner Canhedo e Ângelo Calmon
de Sá. E mais recentemente vimos a indicação no governo Temer do advogado
Antonio Claudio Mariz de Oliveira, defensor, entre outros, de Celso Pita, Paulo
Cesar Farias, Camargo Corrêa, Duda Mendonça, Paulo Maluf, etc.
Geralmente estes
advogados famosos se negam veemente, por "questões morais", a defender agressores
ou violadores de crianças, normalmente gente pobre. Os demais, pagando bem, que
mal tem? Afinal, pouco importa que os honorários milionários possam estar sendo
pagos com recursos de origem duvidosa. Todos têm direito a defesa, mas em
especial os que podem pagar muito! Mas, como dito, são as regras do mercado,
não há ilegalidade e nada impede que advogados de qualquer espécie aceitem os casos
que desejarem. São contratos privados e enquanto tais ninguém tem nada a ver
com isso. E os melhores profissionais, em qualquer área, custam caro.
O problema moral, me parece, surge com as indicações recorrentes destes
profissionais para chefes do executivo, nas secretarias estaduais ou
ministérios, para o exercício de funções públicas. Não é apenas a questão de
que bons juristas – acostumados com processos individuais, rotina de tribunais e
ao comando de no máximo duas secretárias, Dona Clotilde e Dona Mercedes - nem
sempre dão bons gestores públicos. Alguns tiveram surpreendentemente um bom
desempenho. Mas imaginem a saia justa quando as policias, sob seu controle
formal, devem investigar ex (e talvez futuros) clientes.
Não obstante a
“independência” das instituições, é no mínimo um constrangimento e uma tentação
que deveria ser evitada. Mariz se deu conta da obviedade e abdicou do convite,
mas nem sempre isto ocorre. Uma rápida passagem como Secretário ou Ministro dá
uma visibilidade enorme ao titular, status, informações privilegiadas e uma rede
de contatos que mesmo os mais renomados advogados criminalistas têm dificuldade
em resistir. Mesmo perdendo dinheiro – os salários do executivo são irrisórios
diante dos honorários recebidos no setor privado – em longo prazo trata-se de
um convite quase irrecusável.
É claro que diante da massa de contraventores que compõem a classe
política brasileira, é muito melhor ter nestes cargos importantes os advogados
do que seus clientes. Mas mesmo assim, esta promiscuidade entre a defesa
privada de suspeitos de corrupção e outros crimes e o exercício de cargos
públicos ou magistratura, para dizer o mínimo, pega mal. Deixemos os advogados
criminalistas nos tribunais, garantindo o direito de defesa (e que o Senhor nos
livre também dos sociólogos e cientistas políticos no poder). Quando
convocados, que tenham o bom senso de recusar. Uma nódoa de suspeição sempre
rodeará suas ações e intenções no governo. É melhor para a República evitá-las.
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