terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Elites predatórias aumentam o risco de populismo

 

Elites predatórias aumentam o risco de populismo


Recentemente a empresa de pesquisas IPSOS Opinion divulgou a versão 2024 do seu IPSOS Populism Survey, realizada com 20.630 adultos de 28 países. Segundo a definição da pesquisa, populismo é uma estratégia política empregada por um empreendedor político e que depende tanto do apoio popular a ações antissistema quanto de oportunidades estruturais, como uma forte crise econômica ou mudanças demográficas. https://www.ipsos.com/en/populism-remains-strong

Para mensurar esta predisposição da população em apoiar o populismo, a empresa criou um Índice que denominou de “o sistema está quebrado” (“System is broken” index). O Índice é composto pela porcentagem média de concordância com cinco questões: “a economia do país é manipulada para favorecer os ricos e poderosos”, “partidos tradicionais e políticos não se importam com pessoas como eu”, “para concertar o país, nós precisamos de um líder forte, disposto a quebrar as regras”, “o país precisa de um líder forte para tomar o país de volta dos ricos e poderosos” e, finalmente, “os especialistas neste país não entendem a vida de pessoas como eu”.

Na tabela abaixo trazemos as rodadas do Índice entre 2016 e 2023 e calculamos a média por país. Entre os principais achados está o de que o sentimento antissistema é elevado em muitos países, assim como a suspeita com relação às elites, sentimentos que podem favorecer as estratégias populistas nas eleições futuras. O cenário é piorado com a sensação majoritária (58%) de que o país está em declínio e a sociedade quebrada (57%).

É possível que tanto o sentimento antissistema quanto a suspeita com relação às elites e o pessimismo com relação ao futuro do país tenham uma relação com o desempenho das elites nacionais. Para testar esta conjectura, a última coluna da tabela traz o Índice da Qualidade das Elites de 2022, criado pela Universidade de Saint Gallen e para o qual contribui na edição de 2021, analisando a conjuntura brasileira.

O Índice de Qualidade das Elites é composto por 120 indicadores ponderados e uma elite de elevada qualidade é entendida, muito simplificadamente, como aquela que gera para a sociedade mais valor do que ela toma, enquanto uma elite de baixa qualidade extrai valor da sociedade. O EQx, neste sentido, é um índice  mede a “habilidade  do modelo de negócios criado pela elite nacional, no agregado, para criar valor, mais do que extrair valor de uma economia”. (Casas & Cozzi, 2022)

 

 

 

 

 

Índice IPSOS System is Broken e Índice de Qualidade das Elites (EQX)

Countries

2023

2022

2021

2019

2016

avg IPSOS

EQx

 India

0,73

0,73

45,4

 Thailand

0,76

0,69

0,73

56,6

 Peru

0,7

0,63

0,71

0,68

0,7

0,68

48,9

South Africa

0,73

0,65

0,71

0,67

0,58

0,67

45,1

 Colombia

0,63

0,6

0,74

0,66

47,1

 Mexico

0,62

0,6

0,64

0,7

0,71

0,65

48,8

 France

0,63

0,56

0,61

0,71

0,74

0,65

58,2

 Brazil

0,67

0,57

0,72

0,66

0,62

0,65

46,8

South Korea

0,66

0,56

0,71

0,64

0,66

0,65

60,2

 Hungary

0,66

0,61

0,65

0,64

0,66

0,64

55,2

 Türkiye

0,65

0,69

0,64

0,63

0,61

0,64

48

 Chile

0,59

0,56

0,71

0,64

0,63

54,2

 Italy

0,57

0,54

0,68

0,64

0,69

0,62

54,2

 Argentina

0,64

0,58

0,63

0,67

0,59

0,62

45,9

Great Britain

0,64

0,63

0,57

0,66

0,6

0,62

63,4

United States

0,6

0,59

0,65

0,6

0,62

0,61

61,8

 Malaysia

0,62

0,59

0,67

0,56

0,61

56,2

 Belgium

0,56

0,6

0,6

0,64

0,63

0,61

58,5

 Indonesia

0,62

0,59

0,61

51,4

 Australia

0,6

0,57

0,61

0,62

0,62

0,60

65,2

 Poland

0,52

0,57

0,63

0,64

0,63

0,60

56,9

 Spain

0,55

0,53

0,59

0,64

0,67

0,60

56

 Canada

0,58

0,51

0,54

0,59

0,56

0,56

63,7

 Japan

0,59

0,56

0,61

0,52

0,45

0,55

61,2

 Singapore

0,52

0,52

68,7

 Netherlands

0,48

0,48

0,48

0,48

64,4

 Germany

0,48

0,44

0,47

0,49

0,44

0,46

62,7

 Sweden

0,49

0,39

0,42

0,45

0,35

0,42

64

 

Fontes: IPSOS Populism Survey e Elite Quality Report 2022

Ao contrário do índice da IPSOS, valores altos no EQx representam países com elites de alta qualidade e  vice-versa. Assim, é esperado que o sinal da correlação entre os dois índices seja negativo. O EQx é calculado para 151 países, mas infelizmente a pesquisa da IPSOS só permite a comparação com 28 deles. Singapura, Suíça, Austrália e Israel encabeçam o EQx de 2022, enquanto o Brasil ocupa apenas a 81º posição entre os 151 países.

Como temos apenas 28 casos, não é possível extrair conclusões seguras. De todo modo, o gráfico de dispersão mostra uma correlação negativa e linear entre ambos os índices, sugerindo que, quanto melhor a qualidade da elite de um país, menor o sentimento antissistema e a propensão ao populismo e vice-versa. Suécia, Alemanha e Países Baixos são exemplos de países com elites de alta qualidade e baixa propensão ao populismo, enquanto Índia, Tailândia e África do Sul são exemplos do oposto. O Brasil faz parte deste último grupo, classificando-se como país onde a elite é de qualidade intermediária e o sentimento de que o sistema está fraturado é elevado.

A relação não é perfeita e países como a Tailândia, França e Coreia do Sul se saem relativamente bem no desempenho das elites, embora a sensação antissistema seja elevada. O inverso parece ocorrer na Indonésia, onde a sensação de que a sociedade está quebrada não é particularmente elevada, não obstante o fraco desempenho da elite nacional. Particularidades históricas e sociais podem talvez explicar estas discrepâncias, que merecem ser mais bem investigadas.

 

 

 

No geral, todavia, a correlação entre os indicadores parece clara. O coeficiente R de Pearson de correlação entre os índices é de -0.67, negativo como previsto e razoavelmente elevado. Vendo de outro modo, nos 14 países com piores classificações no índice da IPSOS, a qualidade média da elite gira em torno de 51 enquanto nos 14 países melhor classificados, o EQX sobe para cerca de 61.

Para o aprimoramento da pesquisa da Ipsos fica a sugestão de olhar, para além das percepções populares e das oportunidades, observar também o desempenho objetivamente mensurado das elites nacionais como variável relevante para entender o populismo como um de seus intervenientes.

É possível que estas dimensões também se correlacionem a outras não investigadas, como a criminalidade. Elites “extrativas” como as do Brasil, África do Sul, Colômbia e México produzem sociedades desiguais, que contribuem para elevada criminalidade e por sua vez para o sentimento contra o ”establishment”  e discursos populistas no campo penal, como apoio à pena de morte, armamento, redução da maioridade penal, proibição das “saidinhas”, letalidade policial, etc. Trata-se de uma hipótese de pesquisa interessante de ser testada empiricamente (embora exista um populismo político de esquerda que não comunga com o populismo penal).

O mau desempenho das elites nacionais em criar um modelo econômico onde a riqueza cresce (e é distribuída) , assim, parece contribuir para o acirramento do sentimento antissistema nas sociedades e de suspeição com relação às elites nacionais e deste modo aumentar o risco de que lideranças políticas populistas sejam bem sucedidas. Se a correlação entre os fenômenos for verdadeira, sugere-se que a superação da alternância entre líderes populistas de direita e esquerda no Brasil pode ser obtida com a melhoria da qualidade das elites nacionais. O problema é como induzir esta melhoria num país onde a elite empresarial, cultural e o alto funcionalismo parecem muito bem acomodados vivendo à custa da galinha de ovos de ouro.

 

Referências:

Casas i Klett, T. & Cozzi, G. (2022). Elite Quality Report 2022: Country Scores and Global  Rankings. Zurich: Seismo. doi: 10.33058/ seismo.30769.0001

 

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