quinta-feira, 18 de junho de 2020

Custos das políticas de repressão às drogas




A estimativa de custos financeiros de uma política ou estratégia de segurança é apenas um dos muitos aspectos que envolvem a avaliação de qualquer política pública. Trata-se de um aspecto relevante e muitas vezes omitido nas avaliações de políticas públicas. Somente com um levantamento de custos, todavia, podemos avaliar se os mesmos objetivos não poderiam ser atingidos com custos menores, tanto para o poder público quando para a sociedade. E mesmo que uma política seja “eficaz”, é possível que existam outras políticas mais “eficientes”, quando avaliamos o desempenho relativo de políticas alternativas.

Não é acidental, todavia, que o levantamento dos custos seja frequentemente omitido das avaliações de políticas públicas no Brasil, em especial na área de segurança. Mesmo quando há a intenção de levantá-los, gestores e pesquisadores enfrentam grandes dificuldades para encontrar as medidas adequadas ou para transformá-las numa escala monetária comum. Este problema é tanto maior quando se trata de avaliar uma atividade ilícita, como por exemplo, o tráfico de drogas. Qual o faturamento da atividade? Quantas pessoas ele envolve? Quanto o Estado deixa de arrecadar com a criminalização? Quantas pessoas deixam de visitar uma cidade por causa da violência associada ao tráfico? Qual o impacto da violência da guerra às drogas nas gerações futuras? Qual o impacto presente no rendimento do trabalho e rendimento escolar das comunidades atingidas, como as favelas cariocas? Quantas mortes de policiais, criminosos e moradores poderiam ser evitadas?

Na maior parte das vezes contamos apenas com estimativas mais ou menos precárias para estas incógnitas. Não obstante as dificuldades, a literatura acadêmica especializada já identificou algumas maneiras de estimar os custos da violência e das políticas públicas para combatê-la numa sociedade.
Na esfera da segurança pública, existem algumas iniciativas que procuraram mensurar os custos da violência.  Os métodos utilizados nestas iniciativas podem servir de inspiração para o problema da mensuração do custo da guerra às drogas. Na tabela abaixo elencamos resumidamente alguns dos principais métodos identificados para estimar custos da violência.

Tabela  – principais métodos para estimar custos na esfera da segurança
Método
Observações
Método contábil
Trata-se da maneira mais direta de estimar custos. A ideia básica é levantar os custos operacionais dos diversos órgãos responsáveis pela implementação das políticas, utilizando, por exemplo, os orçamentos anuais oficiais. Inclui-se aqui, por exemplo, os gastos com o sistema de justiça criminal ou com o sistema de saúde, no tratamento das vítimas da violência.
Método da comparação do valor imobiliário
Nesta metodologia, procuram-se informações sobre valores do metro quadrado de imóveis comparáveis, em diferentes áreas da cidade. Por exemplo, tomando como base um apartamento padrão, com dois dormitórios e uma garagem, com aproximadamente 100 metros quadrados. Seleciona-se um conjunto de áreas que sejam similares com relação a uma série de variáveis e comparam-se áreas com guerra ao tráfico e sem guerra ao tráfico. O suposto é que eventuais diferenças nos valores dos imóveis devem-se à presença da guerra às drogas.
Método da disposição marginal a pagar
Trata-se de uma pesquisa de opinião com amostra representativa da população. Pergunta-se ao entrevistado o quanto ele estaria disposto a gastar ou pagar para viver num ambiente sem criminalidade. (Ou que porcentagem da sua renda, para controlar pela renda do entrevistado). Bastante subjetivo pois envolve a propensão ao risco de cada indivíduo. De todo modo, o suposto é que nos bairros mais violentos estes gastos médios seriam maiores do que nos bairros menos violentos e as diferenças indicariam um custo da violência em cada bairro.

Método dos juízes
No método dos juízes, uma pequena “amostra” de especialistas num tema é entrevistada para obter estimativas um pouco mais precisas sobre aspectos de difícil mensuração. Bastante utilizada, por exemplo, para estimar “pesos” de diversos fatores, quando o pesquisador não tem como obter medidas objetivas para ponderação.
Pesquisas de Vitimização
Focadas no levantamento da incidência de alguns tipos de crimes e das taxas de notificação, muitas pesquisas de vitimização incluem questões sobre o valor dos bens subtraídos ou danificados e estimativas sobre o valor necessário para repor os prejuízos.
Pesquisas com prisioneiros condenados por tráfico
Os presos por tráfico podem ser informantes valiosos para estimar os efeitos da guerra às drogas, embora sejam de difícil acesso. Nos países desenvolvidos, pesquisas levantam questões sobre acesso a armas de fogo, cúmplices nos crimes, carreiras criminais, etc.

Estas são em linhas gerais as principais metodologias utilizadas para estimar os custos da violência e que poderiam ser utilizadas para calcular o custo da guerra as drogas no Brasil, que se supõe seja elevado. Para dar uma ideia, cerca de 25% dos presos no país respondem por crimes ligados a entorpecentes.

Como ressaltava Weber, nenhuma metodologia é melhor do que outra a priori e elas só podem ser julgadas do ponto de vista de sua eficácia explicativa. Não é preciso optar por uma ou outra metodologia, uma vez que mais de uma pode ser usada simultaneamente.

Qualquer que seja a(s) metodologia(s) empregada(s), é preciso de início tomar algumas decisões sobre o que incluir ou excluir destes custos. Isto envolve desde posturas filosóficas diante do fenômeno até questões práticas sobre a existência e confiabilidade dos indicadores existentes. A intenção é incluir apenas os custos tangíveis ou também os intangíveis, que embora não contabilizáveis tem valor, mesmo que não possa ser traduzido em moeda? Pretende-se calcular o custo apenas para esta geração ou para as gerações futuras? Incluímos apenas o que estamos perdendo ou também o que deixamos de ganhar? A legalização da maconha em alguns estados norte-americanos criou um mercado legal em torno do cultivo e venda da maconha, que é taxada pelo poder público. Pensando neste aspecto, devemos incluir nos custos da guerra às drogas também o quanto se deixa de arrecadar em impostos?


Estamos diante, frequentemente, de decisões extra científicas, quando se lista o que incluir ou excluir no cômputo final dos custos da repressão às drogas. É preciso lembrar que cálculos de custo-benefício de políticas públicas envolvem quase sempre, implicitamente, a comparação com outras políticas alternativas. O risco de ser demasiado conservador nos cálculos dos custos é o de dar suporte à continuidade ou a adoção de políticas públicas equivocadas. No caso de políticas alternativas para lidar com as drogas – digamos, esquematicamente, repressão ou prevenção – os resultados podem depender do que incluímos ou excluímos como “custos” de cada uma. Neste sentido, a escolha sobre o que incluir ou excluir dos custos está longe de ser técnica.
Mesmo sem cálculos refinados, sabemos por avaliações de custo feitas em outros países que existem políticas alternativas – como a legalização, prevenção, tratamento – no caso de maconha ou outras drogas menos danosas, cujos custos sociais e econômicos de implementação são menores do que as políticas repressivas, do tipo “sobe-mata-desce”, como alguém definiu as operações nas comunidades onde existe o tráfico.

Mas o que fazer com o crack, heroína, LSD, mescalina, peyote e outras drogas mais deletérias? Mesmo supondo que a prevenção, tratamento ou redução de danos sejam a melhor opção para o uso de drogas leves, é possível abandonar de todo a política de guerra as drogas – entendida basicamente como erradicação do plantio, laboratórios, precursores químicos e repressão aos traficantes?  Algumas drogas mais pesadas sempre serão ilegais, o que criará mercados negros rentáveis para serem explorados. A repressão a estes mercados e mercadores não pode simplesmente ser abandonada pelo sistema de justiça criminal.

Podemos fazer um paralelo aqui com as penas alternativas: são excelentes para crimes leves e criminosos primários e pouco perigosos. Mas ela nunca substituirá a pena de prisão em regime fechado, uma vez que penas alternativas não são aplicáveis a latrocidas, chefes de organizações criminosas, sequestradores e diversos tipos de criminosos violentos e reincidentes.  Prisões fechadas e guerra às drogas continuarão a existir indefinitivamente, independentemente de seus custos. A questão é pensar em que casos se justificam a prevenção e a repressão e que montante de recursos direcionar a cada estratégia, levando em consideração tanto a inevitabilidade de continuar reprimindo o tráfico de drogas pesadas quanto o custo elevado da repressão às drogas leves como a maconha.

Trata-se de uma decisão política e extra científica. Estudos sobre os custos implicados em cada política podem subsidiar a sociedade para tomar as melhores decisões. No momento, como é comum no Brasil, são as ideologias que orientam as decisões sobre as políticas de drogas. E ideologias são más conselheiras, como estamos vendo nas políticas de saúde com relação ao Covid.



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