Desacelera, Airton !
A literatura internacional e os
estudos analisados pela Organização Mundial de Saúde sugerem que a quantidade
de acidentes de transito e vítimas é afetada pela velocidade das vias, o que
implicou em anos recentes em políticas de diminuição dos limites das vias
urbanas em 47 cidades no mundo. (WHO Global status report on road safety 2015)
Seguindo esta orientação, em
Julho de 2015 a gestão Haddad diminuiu a velocidade nas marginais. A medida
teve repercussão negativa entre muitos usuários, virou tópico de embate eleitoral
e em janeiro de 2016 a gestão Dória voltou a aumentar os limites de velocidade
nas marginais Pinheiros e Tiete.
Balanços parciais anteriores
sugerem que a medida contribuiu para a diminuição dos acidentes nas marginais durante
o período de 18 meses que esteve em vigor. O problema é que os dados são dúbios
– dependendo da fonte que se utilize - CET ou PM, por exemplo – as séries
históricas são pequenas e os estudos são metodologicamente frágeis: não levam
em conta, por exemplo, outras variáveis, como o fluxo de veículos, nem as
tendências históricas anteriores. Neste caso, tendência relevante, quando se
sabe que os números de acidentes de trânsito caem generalizadamente em São
Paulo progressivamente desde 2008.
Assim, constatada a queda,
céticos (eu entre eles) perguntariam até que ponto ela pode ser fruto de outros
fenômenos não levados em conta, como aumento do tráfego e diminuição da velocidade
e acidentes que isto implica, aumento da fiscalização – que foi adotada
concomitantemente a redução da velocidade ou continuidade de uma tendência
histórica prévia, entre outros questionamentos.
Tampouco houve a preocupação de introduzir um grupo de controle – por
exemplo, medindo a quantidade de acidentes em outras vias do mesmo porte, mas
que não tiveram a velocidade reduzida.
A polêmica deste modo continua,
pois além da precariedade dos dados e técnicas utilizadas, há uma briga
política como pano de fundo, uma vez que o tópico foi objeto de polêmica durante
a campanha eleitoral. Não é nossa pretensão fazer uma análise definitiva sobre
a questão, até porque a série histórica de dados é pequena e esta breve análise
carece dos mesmos defeitos já apontados nas anteriores.
Como quer que seja, o fato da
medida ter sido colocada em prática e depois abandonada implica num experimento
natural que é difícil resistir a analisar: é possível comparar as séries com ou
sem o “tratamento”, no caso a alteração da velocidade. O modelo ARIMA abaixo
analisa 28 meses de acidentes nas marginais coletados pela Polícia Militar, 18
com a vigência da redução e 10 sem.
O modelo sugere que há um impacto
significativo do tratamento: o número médio de acidentes (122 acidentes) cai em
média em 19 casos durante a vigência da restrição de velocidade e volta a subir
depois. O R2 do modelo ARIMA é baixo (.24) e não significante (.202) mas assim
mesmo parece existir uma alteração significativa nas médias dos 2 períodos (F =
8,4; sig. .007)
O gráfico abaixo mostra em
vermelho a série histórica real e em azul a série ajustada. Percebe-se ai como
as médias são maiores nos momentos inicial e final (sem restrição) e menores
durante a vigência da restrição. A mudança ocorre no Lag 0, ou seja, no mesmo
mês que foi adotada. O gráfico mostra duas quebras de nível, para baixo e para
cima, nos dois momentos críticos.
Como dito, não é possível ser
categórico uma vez que a série histórica é pequena, não há controle sobre
outras variáveis nem grupo de controle. De todo modo, os dados são sugestivos e
corroboram pesquisas mais robustas que já atestaram o impacto significativo da
redução de velocidade sobre os acidentes de trânsito.
Se utilizarmos os dados da CET
sobre acidentes com vítimas nas principais vias ao invés dos dados da Polícia
Militar, é possível utilizar outras vias da capital como “controle”, analisando
a tendência dos acidentes em vias do mesmo porte que não tiveram redução dos
limites de velocidade.
Na tabela abaixo calculamos as
variações percentuais dos acidentes com relação ao ano anterior, tanto nas
marginais, quanto em três outras vias de grande fluxo, que não tiveram
alterações nos limites de velocidade. Observe-se que tanto no grupo de
tratamento (marginais) quanto no grupo de controle, observamos quedas nos
acidentes já em 2015, quando a regra passou a vigorar. As quedas foram,
contudo, bem mais acentuadas nas marginais (-35,4%) do que no grupo controle
(-12%). O mesmo ocorre em 2016: queda de - 38% nas marginais em relação a 2015
e -20,4% no grupo controle.
A tabela sugere que outros
fatores podem estar contribuindo para a queda – provavelmente aumento da
fiscalização – pois nos dois grupos observamos diminuição dos acidentes nos
últimos dois anos. Mas a queda é nitidamente maior nas marginais.
Segundo o último relatório da
CET, a queda teria continuado no primeiro quadrimestre de 2017, mesmo com o
aumento da velocidade, conflitando com os dados divulgados pela PM. Tratam-se
de metodologias diferentes e nenhuma é necessariamente melhor do que a outra. A
questão é que, alguma delas alterou, provavelmente, seu método de cálculo. As
duas séries mensais de acidentes eram congruentes no passado recente, mas estão
deixando progressivamente de ser: no primeiro quadrimestre de 2015, por exemplo,
a quantidade de casos contabilizados pela CET equivalia a aproximadamente 68%
dos casos contabilizados pela PM. No primeiro quadrimestre de 2016 este
percentual cai para 55% e no primeiro quadrimestre de 2017, os casos da CET
equivalem a apenas 26% dos casos computados pela PM. A utilização dos dados do
Infocrim pela CET para as estatísticas de acidentes começou durante minha
gestão na CAP-SSP e nos últimos anos ajudou na elaboração de inúmeros estudos
relevantes para o gerenciamento de trânsito em São Paulo. Mas aparentemente
houve uma mudança de metodologia que é preciso tornar transparente, caso
contrário deixa de ser possível avaliar o impacto das intervenções no transito.
Novos dados e estudos são
necessários para chegar a vereditos mais conclusivos. O importante é não deixar
os preconceitos e ideologias políticas perturbarem a análise. Antes que alguém
pergunte, não votei no Haddad em nenhuma das duas eleições. Trata-se de basear
a opinião na melhor evidência empírica existente. Os números do “modelo”
refletem vidas, lesões graves, prejuízos financeiros para os envolvidos nos
acidentes e para a saúde pública. Não
são números de pesquisas de satisfação. Uma só vida salva já valeria a pena
repensar a política. Minha sugestão é que o poder público aponte um comitê de
avaliação independente com amplo acesso aos dados para aprofundar a questão. E
rapidamente. Uso as marginais
diariamente e não quero virar estatística!
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