As polícias hoje sabem que tão importante quanto reduzir a criminalidade é conseguir fazer com que as pessoas se sintam seguras, pois se o crime está caindo, mas as pessoas se sentem inseguras, estamos diante de um problema.
O ideal não é eliminar cabalmente o medo nas pessoas. Mais realista é fazer ao menos com que haja uma congruência entre a criminalidade real e a percepção do fenômeno. Explico melhor: algum grau de insegurança é saudável, tanto do ponto de vista pessoal como coletivo, pois se me sinto demasiado seguro diante de uma situação real de risco, deixo de tomar as precauções necessárias – trancar o carro, deixar a luz de casa acesa ao sair, observar o entorno ao fazer saques no caixa eletrônico etc. Como resultado do excesso de sentimento de segurança, podemos ter um aumento da criminalidade, pois boa parte da prevenção ao crime passa pelo comportamento das potenciais vítimas. Como no corpo humano, o medo e a dor, na medida certa, podem ser fatores protetores.
Por outro lado, o excesso de insegurança também é danoso. Por conta dele, empresas deixam de se instalar em certos locais, turistas são afugentados, pessoas não saem à noite para estudar ou se divertir, o valor dos imóveis se deprecia e as cidades se verticalizam, entre outras consequências indesejadas – sem falar na perda da qualidade de vida no cotidiano das pessoas. Assim, tanto a ausência quanto a presença exagerada do medo acarretam custos elevados para o indivíduo e para a sociedade.
Uma questão frequentemente debatida na literatura e entre os gestores de segurança é se a percepção da violência em determinado local e período está num patamar congruente com os níveis reais de criminalidade. Ao analisarmos dados de vitimização, frequentemente encontramos o que se chamou de “paradoxo da insegurança”: os locais ou grupos com mais risco de vitimização não são necessariamente os locais e grupos com maior sensação de insegurança e vice-versa. A incongruência entre níveis de criminalidade e percepções, assim, é um fenômeno comum, com o qual as políticas de segurança têm que lidar.
Uma interpretação possível para o paradoxo do descolamento entre crime e percepções é que, mesmo em queda, o patamar de criminalidade em certos locais pode ser considerado ainda elevado. Um aumento rápido de criminalidade onde antes reinava a tranquilidade também pode provocar incongruências entre criminalidade e percepção. Assim, nível absoluto e diferenças relativas afetam as nossas percepções sobre o crime. Uma hipótese plausível, corroborada por pesquisas, é que a sensação de segurança não tem necessariamente relação com a experiência pessoal de vitimização, sendo antes a resultante de como as pessoas se informam sobre a criminalidade, em especial os casos de grande repercussão (Otamendi, 2014).
Assim, por exemplo, já foi constatado que quanto mais distante o local do lugar onde a pessoa reside, maior a percepção de que a violência está crescendo, ocorrendo o inverso quando se trata do bairro ou arredores do entrevistado. A violência cresce, mas em “algum outro lugar”, não nas redondezas. A familiaridade com o ambiente imediato torna as pessoas mais seguras, mas as notícias cotidianas de dezenas de crimes dão a impressão de que a violência nos outros lugares é sempre maior. Além disso, embora os homens e jovens constem nas estatísticas como a maioria das vítimas em quase todos os crimes, são as mulheres e as pessoas idosas que revelam maior temor da criminalidade.
A sensação de segurança é, portanto, afetada não apenas pela experiência pessoal com o crime, mas por inúmeras outras variáveis, como local de moradia, idade, gênero, exposição e grau de confiança nos meios de comunicação, entre outras. O papel dos meios de comunicação para reduzir este hiato entre a criminalidade real e a percebida é fundamental – mostrando sim o caso de grande comoção, mas contextualizando-os num cenário mais amplo.
Para além dos custos apontados, o pior prejuízo do descolamento entre criminalidade real e percepção pode ser a adoção de políticas de segurança pública equivocadas e o abandono de outras que estão dando certo, mas não são reconhecidas pela sociedade. Um exemplo é a legislação penal do medo, passada às pressas em momentos de grande comoção social que se seguem a crimes violentos, como a chamada lei Glória Peres, no Brasil, ou Lei Blumberg, na Argentina.
A preocupação com a questão da insegurança e seus efeitos é generalizada. Na América Latina, o projeto LAPOP (Latin American Public Opinion Project) passou a acompanhar o fenômeno na última década. Em média, mais de um terço da população na América Latina afirmou sentir-se muito ou algo insegura com a possibilidade de ser roubada no bairro. O Brasil, não obstante seus elevados níveis de criminalidade, está ligeiramente abaixo desta média regional. Ilustrando a questão do paradoxo, note-se que argentinos, uruguaios e chilenos, por exemplo, mostram-se mais preocupados com a questão do que os brasileiros, apesar dos níveis de criminalidade nestes países serem muito menores do que os nossos. Por outro lado, os níveis elevados de preocupação subjetiva com a criminalidade parecem congruentes com a elevação abrupta da criminalidade na Venezuela nos últimos anos. Em suma, sensações e percepções não refletem necessariamente os níveis absolutos de criminalidade local, tal como medida nas estatísticas criminais: níveis de criminalidade elevados, porém antigos e estabilizados, podem provocar uma dessensibilização da população, enquanto elevações recentes e abruptas da criminalidade podem disparar o sentimento de insegurança, mesmo quando os patamares são baixos. (Marcondes Filho, Ciro, 2001; Otamendi, 2012)
Os estudos sobre sensação de segurança e medo, em resumo, procuram avaliar seus níveis, sua evolução temporal, os grupos e locais mais afetados, os fatores de risco e de proteção, sua correlação com outros fenômenos criminais e sociais. As pesquisas de vitimização costumam incluir blocos com questões específicas para avaliar o(s) fenômeno(s). Seguindo esta tradição, a pesquisa de vitimização do Ministério da Justiça, de 2012, inseriu no questionário diversos indicadores para avaliar a insegurança da população brasileira. O Ministério acaba de divulgar um grande estudo sobre o tema e quem quiser mais detalhes sobre a pesquisa, pode acessar o texto completo no site do MJ.
Este tipo de pesquisa ajuda a desenvolver políticas de segurança baseada em evidências empíricas, levantadas em mais de 78 mil residências em todo o Brasil. De “chutadores”, o mundo (e nossos órgãos de segurança) estão cheios. E parece que no Brasil, quanto mais chutador, maior a probabilidade de assumir um cargo público…Isso sim é de dar calafrios!
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