segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Falaram a verdade pra mim sobre o desarmamento


Reunião de artigos e pesquisas sobre armas de fogo no Brasil, escritos de 1999 pra cá.
Link para o livro na Amazon:




https://www.amazon.com/Falaram-verdade-sobre-desarmamento-Portuguese-ebook/dp/B0767Z92QN/ref=sr_1_1?ie=UTF8&qid=1507548829&sr=8-1&keywords=tulio+kahn

Prefácio


O título deste livro faz uma alusão óbvia ao livro “Mentiram para mim sobre o desarmamento”, livro de Benedito Barbosa Junior (Vide Ed, 2015), com quem dialogo democraticamente sobre a questão das armas de fogo desde os anos 90. Nosso último encontro foi em setembro de 2015, no Espaço Democrático, fundação na qual sou conselheiro e onde mais uma vez o Estatuto do Desarmamento e seus efeitos foram discutidos de forma cavalheiresca e respeitosa, como deve ser. A íntegra do encontro pode ser lida aqui: http://espacodemocratico.org.br/a-sociedade-armada-e-mais-segura/

Graças ao big data e ao algoritmo de recomendações, quem entrar no site da Amazon para procurar por seu livro, verá que os leitores que o compraram também compraram os livros: “Pare de acreditar no governo”, “Não, Sr. Comuna”, “Como ser um conservador”, “O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota”, “Maquiavel pedagogo”, “O jardim das aflições”, “As ideias conservadoras”, “A nova era e a revolução cultural” e “Ponerologia – psicopatas no poder”. Todos eles, como sugerem os títulos, tratam do pensamento conservador e são claramente contra as esquerdas e o pensamento de esquerda.

Existem várias outras evidências desta associação espúria entre defesa das armas e pensamento conservador. O livro tem uma fanpage no Facebook, de onde extrai 2184 comentários de posts publicados entre maio e outubro de 2017. A preocupação com a segurança pessoal e pública estava presente, é claro, mas em nada menos que 265 vezes encontramos a presença nos comentários de termos como: ESQUERDA, COMUNISTA, SOCIALISTA, LULA, VENEZUELA, ESQUERDISTA, COMUNISTAS, MST, COMUNISMO, DILMA, ESQUERDISTAS, MARXISTA, BOLIVARIANA, ESQUERDOPATAS, MORTADELA                S, SOCIALISTAS, CENTRO-ESQUERDA, CHAVEZ, VERMELHOS, FREIXO, FHC e outros do mesmo teor. Sem incluir ai as dezenas de mensagens favoráveis a Bolsonaro e outras lideranças e ideias conservadoras. O que fazem estas expressões num debate sobre desarmamento? Alguém acredita seriamente que há um complô comunista em andamento e que o desarmamento civil é uma estratégia para que o golpe não encontre resistência da população?

Eu, que politicamente considero-me um centrista radical e que filosoficamente advogo pela separação entre ciência e política, fico sempre me perguntando por que raios a questão do desarmamento – que em boa parte envolve um debate técnico sobre seus efeitos individuais e coletivos – foi polarizada desta forma: defensores do desarmamento seriam invariavelmente “de esquerda”, tiranos que conspiram contra o direito de defesa para chegar ao poder. A própria ideia do título, “mentiram para mim”, passa uma ideia de conspiração. Mentir é ato planejado, com objetivos claros. E, além disso, envolve a questão de saber “quem mentiu”? Quem são “eles”? O governo? A ONU? Os institutos de pesquisa? Os Russos? A CIA?
Esta associação entre liberação das armas e pensamento conservador e restrição às armas e pensamento de esquerda se explica por algumas razões: basicamente, ela foi importada para o Brasil do debate norte americano e das divergências entre Republicamos e Democratas na forma de tratar a questão. Encontramos ecos nítidos deste debate na campanha do referendo de 2005, onde os defensores da liberação das armas lançaram mão dos mesmos argumentos utilizados nos Estados Unidos pela NRA (National Rifle Association) e pelos grupos conversadores para combater a regulação das armas de fogo, embora não tenhamos aqui nada parecido com a Segunda Emenda: tratar-se-ia de um direito individual inalienável, de uma interferência indevida do Estado, da defesa contra a tirania, etc. Acrescente-se a isso o fato do Estatuto do Desarmamento ter sido aprovado, por acaso, no primeiro ano da gestão Lula. E adicionalmente o fato das entidades de defesa dos direitos humanos terem se engajado neste debate em favor do controle das armas de fogo. Em conjunto, este contexto ajuda a entender porque o debate sobre as armas fugiu das mãos dos especialistas e das questões técnicas e metodológicas e extrapolou para o debate político, onde raramente prevalecem os argumentos científicos e racionais.

Apesar do título do livro, não pretendo argumentar que o que apresento seja “a verdade” e os argumentos e evidências contrárias sejam todas “mentirosas”. Diferente da política, verdade em ciência é sempre probabilística e provisória, baseada nas melhores evidências disponíveis. Os esforços dos acadêmicos convergem para o falseamento das próprias hipóteses e para discussões sobre validade e confiabilidade dos dados enquanto a lógica do pensamento  político busca apenas argumentos e evidências que suportem suas hipóteses. Na esfera política o que interessa é vencer o debate e não estabelecer a veracidade dos fatos. Esta é a grande diferença entre o debate na academia e na política e um dos motivos pelos quais não existe um verdadeiro diálogo entre armamentistas e desarmamentistas.

Meu ponto aqui é que a discussão deve ser feita em outras bases, levando em consideração argumentos factuais sobre o impacto das armas de fogo na segurança pública e não argumentos político ideológicos. Não existe nenhum complô comunista para tomar o poder à força. O que existe são 60 mil mortos por ano no país, a maioria com uso das armas. É ai que o debate deve se concentrar, baseado em evidências empíricas e não numa cruzada anticomunista ou contra a tirania, que explora medos imaginários.

Os artigos aqui apresentados procuram analisar a questão das armas numa perspectiva técnica ou a mais técnica possível, uma vez que neutralidade axiológica é sempre um ideal a ser buscado, embora fique claro meu posicionamento e militância em favor das restrições às armas de fogo.  Não se trata de uma questão de direita ou de esquerda, mas de saber o que é melhor, do ponto de vista da sociedade como um todo, para a segurança pública.

Os textos são apresentados em ordem cronológica, cobrindo o período de 1999 a 2017 e mostram alguma evolução no tratamento e entendimento do tema. O material é variado, incluindo artigos de jornal, entrevistas, trechos de pesquisas acadêmicas, posts de blogs e outros. Acredito que no conjunto dão uma boa visão de como tem ocorrido o debate sobre as armas nas últimas duas décadas no Brasil e apresentam dados que em sua maioria corroboram sistematicamente o impacto da regulação das armas na diminuição dos homicídios e os efeitos positivos trazidos pelo Estatuto. É apenas neste sentido que o livro pode ser considerado uma resposta ao “Mentiram pra mim sobre o desarmamento”. Uma resposta significa que alguém do outro lado está ouvindo, o que nem sempre é o caso. Se as evidências apresentadas conseguirem convencer alguns da importância de restringir a quantidade de armas em circulação para a segurança, já terá valido o esforço.

São Paulo, outubro de 2017

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