Infelizmente não há como investigar os milhares
de programas municipais. Neste artigo analisamos somente as propostas de
segurança dos principais candidatos a prefeito em São Paulo, que são
reveladoras tanto pelo que propõem quanto pelo que omitem. Localizamos 85
propostas nos sete programas, embora 5 delas sejam antes princípios gerais do
que propostas.
Antes de detalhar as sugestões, daremos uma
olhada panorâmica nos termos mais utilizados nos programas, através da
construção de uma nuvem de palavras. O tamanho da palavra na nuvem dá uma
dimensão da relevância do termo dentro do discurso e é uma maneira de identificar
conceitos e categorias de destaque nos programas de segurança.
A tabela abaixo traz os 45 termos mais
frequentes nos programas de segurança, organizados pelo número de menções, e
nos fornece uma boa ideia do teor do debate. Alguns termos são óbvios, como
“segurança” ou “pública”, mas outros nem tanto. Destaco na tabela aqueles
termos que me pareceram mais significativos, como “guarda”, “integração”,
“prevenção”, “drogas”, “planejamento”, “sistemas”, “polícia”, “parceria”,
“cultura”, “cidadã”, “iluminação”, “paz”, “mulheres”, “formação”, “escolas” e
“conselhos”.
Nº
|
Nº
|
Nº
|
|||
37
|
Segurança
|
9
|
Urbana
/ urbanização / urbano
|
6
|
Promover
|
30
|
Pública
/ públicas / público
|
9
|
sistema
/ sistemas
|
6
|
Paz
|
27
|
Guarda
/ GCM / guardas
|
9
|
políca
/ policiamento / políciais
|
6
|
município
|
21
|
programa
/ programas
|
9
|
Metropolitana
|
6
|
Mulheres
|
20
|
integração
/ integrada / integral / integrando
|
9
|
governo
/ governos
|
6
|
maior
|
18
|
Violência
|
9
|
Ampliar
|
6
|
insegurança
|
16
|
Civil
|
8
|
parceria
/ parceiros / parceira
|
6
|
Formação
|
14
|
Municipal
/ municipais
|
8
|
Fortalecer
/ fortalecimento
|
6
|
Federal
|
12
|
prevenção
/ preventivas
|
8
|
Cultura
/ culturais
|
6
|
escolar
/ escolas
|
12
|
política
/ políticas
|
8
|
Cidadã
|
6
|
Criar
|
12
|
dependentes
/ drogas
|
7
|
População
|
6
|
Conselhos
|
12
|
Cidade
|
7
|
iluminação
/ iluminadas
|
6
|
combate
|
10
|
planejamento
/ planejar / plano
|
7
|
Áreas
|
6
|
atendimento
|
10
|
Paulo
|
6
|
Uso
|
6
|
agentes
|
10
|
ação
/ ações
|
6
|
sociais
/ social
|
5
|
regiões
/ região
|
Lendo a tabela de outro modo, poderíamos dizer
que os programas dos candidatos, em linhas gerais, pretendem: [ampliar; promover;
criar; fortalecer; combater] os [programas; políticas; ações; planos] para
atacar os problemas da: [violência; drogas; iluminação; insegurança; escolas;
mulheres], que ocorrem nas: [regiões; áreas, cidade; urbano; metropolitano].
Propõem fazer isso utilizando as estratégias de:
[integração; prevenção; sistemas; parcerias; formação] e utilizando como órgãos
a [guarda; polícias; governos; município; federal; conselhos; agentes].
Embora o significado dos termos nem sempre seja
unívoco e apareçam fora de seu contexto, as palavras em destaque já permitem
identificar os grandes temas tratados nos programas de segurança dos candidatos
e a nuvem de palavras nos auxilia a classificar as propostas em 13 grandes
grupos.
A tabela abaixo traz a quantidade de propostas
por grupo e candidato.
Rótulos
de Linha
|
Doria
|
Erundina
|
Haddad
|
Olimpio
|
Marta
|
Russomano
|
Young
|
Total
Geral
|
gestão
operacional da Guarda
|
2
|
|
|
5
|
4
|
1
|
1
|
13
|
drogas:
prevenção e recuperação
|
2
|
|
1
|
2
|
1
|
|
5
|
11
|
integração
com outros entes
|
2
|
1
|
|
2
|
3
|
1
|
1
|
10
|
formação
da Guarda
|
1
|
4
|
1
|
|
|
|
2
|
8
|
parcerias
com a sociedade civil
|
|
|
|
2
|
1
|
3
|
1
|
7
|
informação,
dados e pesquisas
|
|
|
1
|
1
|
1
|
1
|
2
|
6
|
tecnologia:
monitoramento, radares, etc.
|
1
|
|
1
|
1
|
1
|
1
|
1
|
6
|
proteção
a vítima, vulneráveis e minorias
|
|
1
|
2
|
|
1
|
1
|
|
5
|
princípios
gerais
|
|
|
2
|
|
|
2
|
1
|
5
|
programa
de prevenção nas escolas
|
|
|
1
|
1
|
1
|
|
1
|
4
|
iluminação
|
1
|
|
1
|
1
|
1
|
|
|
4
|
programas
preventivos: cultura, esporte, lazer, etc.
|
|
|
2
|
|
|
|
1
|
3
|
engenharia
institucional
|
|
|
|
|
1
|
|
1
|
2
|
reforma
urbana
|
1
|
|
|
|
|
|
|
1
|
Total
Geral
|
10
|
6
|
12
|
15
|
15
|
10
|
17
|
85
|
As medidas mais frequentes dizem respeito a
mudanças na gestão e operação cotidiana da Guarda Municipal, com 13 sugestões. As
orientações são as mais variadas: uns querem a guarda adotando “tolerância
zero” e outros “policiamento orientado a problemas”. Entram neste rol as ideais
de elaborar procedimentos operacionais padrão para a GM, como na PM, a
ampliação da Operação Delegada, que emprega PMs ou GCMs nos períodos de folga,
o aumento e redistribuição dos efetivos, descentralização do planejamento e
outras.
A Guarda municipal é percebida pelos candidatos
como o principal instrumento de atuação da prefeitura na segurança e além das
mudanças na gestão existem várias propostas na esfera da capacitação e formação
dos guardas. A capacitação técnica está praticamente ausente nas propostas, mas
frequentemente aqui vemos a preocupação com o tratamento dado as minorias ou
grupos vulneráveis: LGBT, deficientes, negros, índios, mulheres, etc. Os
Guardas deveriam ser também propagadores de uma cultura da paz. As medidas
parecem ser inspiradas num programa estadual, onde o operador de segurança é
intrinsecamente visto como preconceituoso e violador de direitos, que precisa
ser sensibilizado para estas questões... apenas uma proposta faz menção à
capacitação lidar com o problema do comércio ambulante. São raros os casos de violações
de direitos pela Guarda e as propostas de capacitação parecem errar no foco.
As drogas e o tratamento dos dependentes são
também alvo de preocupação constante nos programas dos candidatos: o divisor de
águas está entre os que apoiam e os que criticam o atual programa “De Braços
Abertos” da gestão atual. As soluções apresentadas passam pela redução de
danos, parcerias com os governos Federal e Estadual, ações esportivas e
culturais, revitalização das áreas de uso de drogas, contratação de mais profissionais,
internação em comunidades terapêuticas, convênios com grupos de apoio, grupos
de autoajuda, aluguel subsidiado pela prefeitura, cursos técnicos de formação
profissional, etc. Não existe cracolândia, pelo visto, no mapa da cidade dos
candidatos.
A integração com outros órgãos, especialmente
de segurança, está também bastante presente nos programas, o que faz sentido se
pensarmos que o papel das Guardas na segurança pública é subsidiário e
complementar. As sugestões visam integrar informações de inteligência e
criminais entre a GCM e a PM, PC e Polícia Federal. Os diferentes órgãos do
sistema planejariam em conjunto o emprego de efetivos, viaturas e outros
recursos. As centrais de monitoramento e despacho seriam também integradas e a
GCM firmaria parcerias com a CPtran, Ministério Público, OAB, Conselhos de
Direitos. Além da integração com outros órgãos públicos, as parcerias com a
sociedade civil também estão em alta entre os candidatos: parcerias com
associações comerciais e de moradores, conselhos comunitários de segurança
pública, empresas locais, etc. As parcerias com a sociedade serviriam para
formular políticas, acompanhar e avaliar a sua implementação. A participação da
sociedade dá um ar de democracia e de politicamente correto às propostas, que
pouco detalham como esta parceria ocorreria na prática.
Muitos candidatos têm destacado a necessidade
de trabalhar o tema da segurança a partir de dados, estatísticas, mapas e
pesquisas, prática já adotada pelas polícias com algum sucesso. Tais
informações serviriam para planejar melhor a atuação da GCM segundo dias,
horários e locais mais problemáticos. O fortalecimento do Observatório da
Segurança, a criação de um sistema municipal de inteligência urbana, a condução
de pesquisas com a população e de diagnósticos com auxílio das Universidades
estão dentro desta categoria de propostas, assim como a disponibilização as
bases municipais para outros órgãos. Sintomaticamente, nenhum candidato
menciona especificamente a utilização do 156 da própria prefeitura, do Infocrim,
Infoseg ou do Copon-on line, as pesquisas de vitimização e outras de uso
tradicional na segurança. Pouca
referência explícita também ao georeferenciamento ou a hot spots, bases do
planejamento operacional. De todo modo, assim como no caso da integração e da
participação da sociedade, a linha de pensamento é promissora. Estatísticas e
mapas permitem cobrar desempenho e
atribuir responsabilidades territoriais.
Em igualdade numérica com as estatísticas e
pesquisas estão as propostas que advogam a intensificação do uso de soluções
tecnológicas para melhorar a segurança. Entram nesta linha de raciocínio o aumento
das câmeras de segurança e sua integração com as polícias ou com o setor
privado, integração com o Detecta do governo estadual, outros tipos de
monitoramento eletrônico, os sistemas de alerta, os sistemas de recebimento de
denúncias, etc. O uso de radares é mencionado, mas com a condição de corrigir
as distorções atuais. Nenhuma menção a Big Data ou a “internet das coisas”. Nem
a leitores óticos de placas, R.F.I.D, controle de acesso ou identificação
biométrica. Nem ao monitoramento e uso das redes sociais para a segurança. Nada
de ferramentas de B.I., “predictive policing” ou drones. Tecnologia para
segurança para os candidatos parece se resumir a vídeo-monitoramento. Neste
aspecto, as propostas são um tanto ultrapassadas e pouco inovadoras.
A preocupação com as minorias e os grupos
vulneráveis ficou evidenciada quando analisamos as propostas de capacitação da
Guarda. O tema aparece também em outras propostas, onde a prefeitura, através
da Secretaria de Segurança Urbana e outras, cuidaria também do atendimento às
mulheres vítimas de violência doméstica, do enfrentamento à cultura da
violência, criação de programas preventivos para jovens, população em situação
de rua, população LGBT, etc. Propostas de redução de fatores de risco, como
gravidez na adolescência, uso de álcool e drogas, também são mencionadas de
passagem. Chama a atenção a ausência das armas de fogo nos discursos. De resto,
uma boa agenda conjunta com a Secretaria de Bem Estar e / ou da Saúde.
Segurança nas escolas é um dos programas
prioritários da GCM e para reforçar esta segurança sugere-se o uso de novas
tecnologias ou planos locais de redução da violência. As escolas aparecem ainda
como lugar para formação e conscientização dos jovens, parentes e da comunidade
do entorno, através de palestras, cursos e psicodramas. Iluminação pública foi
lembrada pelos candidatos, vista como fator inibidor da criminalidade: ampliar
a quantidade, especialmente nas regiões menos favorecidas, trocar as lâmpadas
atuais por LED e rebaixar a altura das luminárias estão entre as soluções
sugeridas.
Finalmente, vemos algumas poucas propostas na
esfera da prevenção primária, através do aumento de opções de esportes, cultura
e lazer nas regiões periféricas, especialmente voltados para os jovens. Este tipo de proposta genérica costumava ser
bastante popular nas campanhas passadas e parece vir perdendo lugar para
propostas mais concretas de curto e médio prazo.
No âmbito da engenharia institucional
encontramos uma proposta de reorganização institucional da Guarda e outra de
criação de núcleos de segurança nas coprefeituras, ambas pouco desenvolvidas
nos textos. Somente um dos candidatos articula segurança pública com um
programa de reforma urbana na região central, recuperando áreas degradadas,
embora este tipo de ação tenha sido relevante em experiências mundiais e conte
com apoio e financiamento de organismos financeiros internacionais.
Algumas ausências são significativas e
positivas neste debate: não se fala muito na compra de viaturas, armas e
equipamentos. São necessários, porém, óbvios. Nem no uso da Guarda para “combater
o crime” ou “perseguir a bandidagem” ao estilo Rota na Rua.
Por outro lado, algumas ausências são
negativas: não existem metas específicas nos programas, talvez porque tivessem
que ser entregues ao TSE antecipadamente. Nenhuma menção a orçamento ou de onde
viriam os recursos para os projetos. A regulamentação dos espaços semi-públicos,
bastante usada como estratégia de
segurança, foi negligenciada nos programas, assim como o uso do CPTED (prevenção
através do design ambiental). Policiamento comunitário parece ter saído de moda
entre os formuladores de programas de segurança, assim como o tema das “janelas
quebradas” e da associação entre degradação física e social com criminalidade,
tão em voga na época das consultorias milionárias pagas aos especialistas
americanos. Poucas referências a problemas cotidianos da população – poluição
sonora, poluição visual, pichações, flanelinhas, cambistas, sujeira, mobiliário
urbano danificado, ausência de poda e jardinagem, etc. – que poderiam ser alvo
de atuação da Secretaria Municipal de Segurança Urbana. A própria Secretaria é
pouco mencionada nos programas.
No geral, o conjunto de propostas aborda temas
relevantes e são “corretas”, embora pouco criativas. Nenhuma revolução à vista.
Mas, se bem conduzidas, poderiam melhorar a qualidade de vida do paulistano. Se
sairão do papel, já é outra estória.
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