É claro que os órgãos de segurança já conseguiram se antecipar e frustrar inúmeros ataques e atentados, muitos dos quais jamais saberemos – e é por isso que todos os países investem em estruturas de inteligência, em especial para lidar com o terrorismo, crime organizado e potências inimigas. Mas estes eventos simbólicos ilustram as centenas de falhas a que estão sujeitos os órgãos de segurança e as consequências catastróficas destes erros. Estamos citando aqui grandes “operações”, que certamente deixaram rastros de seu planejamento, mas que apenas posteriormente vieram à luz.
Eventos desta magnitude não são como um raio em dia de céu azul: demandam recursos e tempo para serem planejados e quase sempre deixam pistas, mas que não foram corretamente interpretadas, em tempo hábil, pelos responsáveis pela segurança.
Os motivos das falhas podem ser muitos: ausência de uma estrutura eficiente de inteligência, falta de uma doutrina de inteligência, excesso de confiança na tecnologia, falta de coordenação entre órgãos responsáveis, erros de avaliação, ausência de informações ou às vezes excesso de informações, para mencionar somente alguns. Existem, assim, diversos itens que precisam ser revistos e aperfeiçoados, de investimentos a treinamentos, o eventual retorno a algumas práticas clássicas de inteligência baseadas em fontes humanas (humanit), o estabelecimento de uma rede eficiente de trocas de informações, aperfeiçoamento da legislação antiterrorista etc.
Estes fracassos servem de lições, duras, para rever procedimentos e estratégias e a comunidade de inteligência de todo o mundo, neste momento, se debruça sobre eles.
Dado o baixo padrão de eficiência demonstrado pelas polícias e forças armadas brasileiras para lidar com o crime organizado, contrabando, tráfico de drogas e armas, migração ilegal e controle de fronteiras terrestres, alguém acredita que o setor de inteligência brasileiro teria capacidade para impedir atentados terroristas como os perpetrados contra a Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA) e embaixada israelense em Buenos Aires, nos anos 1990, caso ocorressem no Brasil?
É sabido que parte do financiamento e planejamento logístico destes atentados passou pela embaixada iraniana em Brasília e que na região da tríplice fronteira existe uma conexão entre o crime organizado e membros de grupos terroristas como o Hamas e o Hezbolah.
Para ficar apenas neste caso célebre, em 1992 as investigações revelaram que o coordenador das operações terroristas na Argentina agiu a partir de Foz do Iguaçu. fazendo uso de um telefone atribuído a um certo XXXXXXX (Nisman & Burgos 2013b, p. 9). Esse mesmo número de telefone foi conectado a várias ligações telefônicas feitas pelo grupo operacional do atentado (Nisman & Burgos 2013a, p. 25 e p. 565). O relatório aponta ainda que o attaché Civil da Embaixada do Irã em Brasília entre 1991 e 1993, Jaffar Saadat Ahmad-Nia, era um agente da inteligência iraniana (VEVAK). Segundo depoimentos constantes do relatório, o. Jaffar teria ido à Argentina para ajudar a resolver potenciais problemas logísticos do grupo operacional para os atentados. De qualquer forma, independentemente da acusação, os registros demonstram que Jaffar entrou na Argentina no dia anterior aos ataques e retornou no dia posterior ao ataque à embaixada Israelense em Buenos Aires (Nisman & Burgos 2013b, p. 27).
Existem inúmeros registros de atividades, desde a passagem de Moshen Rabbani pelas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, em 1984. Tanto a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) quanto a Polícia Federal acompanharam, em 1995, a presença de Khalid Sheikh Mohammed no Brasil. Preso em Guantánamo, ele ficou conhecido como a mente por trás dos ataques de 11 de setembro e esteve ligado a vários ataques da Al Qaeda entre 1993 e 2003. De acordo com a famosa 9/11 Commission Report, Mohammed esteve em Foz do Iguaçu em 1995, para encontrar com um contato indicado por Mohamed Atef (Abu Hafs), à época chefe operacional da Al Qaeda (9/11-Commission 2005, p. 148).
Ainda em 2016, durante a realização dos Jogos Olímpicos no Brasil, a agência antiterrorismo da Polícia Federal monitorava nada menos do que 42 indivíduos suspeitos de ligação com o terrorismo islâmico em território nacional. Não é o caso de relatar aqui a tentativa de entrada e a passagem, pelo Brasil, de inúmeros suspeitos pelo envolvimento com o terrorismo, nas últimas décadas. Basta saber que eles atuam por aqui e que num momento de acirramento da conjuntura internacional no Oriente Médio, assim como a Argentina foi o Brasil pode ser alvo de algum atentado. Conheci de perto as estruturas de inteligência federal e do Estado de São Paulo, suas capacidades e deficiências, ambas seriamente sub-dimensionadas, sub-financiadas e incapazes de lidar com este tipo de ameaça. O Brasil não é alvo por conta de sua histórica postura de neutralidade durante os conflitos no Oriente Médio e não pelo receio de detecção e antecipação pelos órgãos de segurança.
Passou da hora de o Brasil repensar sua estrutura de segurança pública e inteligência. Se não para lidar com o perigo remoto do terrorismo, ao menos para confrontar a ameaça imediata que o crime organizado e radicais impõem ao estado democrático de direito e à qualidade de vida da população.
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