O isolamento social é apontado
como melhor estratégia para controle do coronavirus. Em alguns países ele é
feito de modo voluntário e em outros existem regras estritas, com multas e
fiscalização governamental.
Trabalhadores dos serviços e
setores essenciais estão isentos e formam uma porcentagem desconhecida da
população em cada cidade. Os especialistas avaliam que o ideal é tirar de
circulação acima de 70% da população, por um período mais ou menos prolongado
de tempo.
A questão é, como saber se o
isolamento social está funcionando e qual a porcentagem da população fora de
circulação? Como é impossível fazer um censo, há uma série de variáveis
substitutas que podem ser utilizadas para fazer um cálculo aproximado.
Se as pessoas estão mais em casa
há um aumento do consumo de luz, água e outros serviços públicos. Se as ruas
estão mais vazias há uma redução no tráfego, no consumo de gasolina, no volume
de passageiros nos ônibus e metrôs, usuários do Uber e outros indicadores
ligados à circulação. Os GPS podem ser de grande ajuda nesta hora, pois estão
instalados em milhares de veículos e telefones celulares. Programas como o
Waze, Google Maps, TomTom são capazes de rastrear o padrão de deslocamento da
população, calculando distâncias, horários e modo de locomoção, entre outras variáveis.
Empresas de telefonia celular também podem fazer este rastreamento, usando
tecnologias de rádio transmissão.
Assim, para conhecimento da
sociedade e dos governos, que precisam calibrar suas estratégias de isolamento,
seria muito importante que todas as empresas de tecnologia que conseguem
rastrear os deslocamentos da população abrissem publicamente seus dados. Deste
modo é possível ter uma aproximação da porcentagem de pessoas fora de
circulação e se a tendência é crescente ou decrescente. Entre outras vantagens, seria possível analisar
a velocidade de propagação do vírus, comparando cidades com alto e baixo grau
de isolamento social. E se não houver colaboração voluntária das empresas, o
poder público poderia requisitar judicialmente estes dados, mantido o sigilo
individual dos usuários. O que interessa são os agregados estatísticos e não as
informações de cada indivíduo.
O TomTom é uma empresa de tecnologia
de GPS que publica o TomTom traffic index há 9 anos, cobrindo 416 cidades de 57 países. É possível ver
os dados de tráfego on-line e acessar os dados históricos. Na tabela abaixo
estão as reduções percentuais do tráfego em algumas cidades brasileiras na
semana passada, tomando como comparação a média do horário de pico da tarde.
Redução do tráfego no pico da
tarde, cidades selecionadas
Fonte: Tomtom traffic index
A tabela mostra que a queda no
volume de trânsito atingiu seu máximo em São Paulo, na sexta feira e o ponto
mínimo em Brasília, na quarta feira 25, um dia após o pronunciamento desastroso
do presidente sugerindo a volta à normalidade. Sugere também que, com exceção
de Porto Alegre, o isolamento social está crescendo diariamente na maioria das
cidades.
Trata-se aqui apenas de uma
amostra, não aleatória, de usuários do serviço de geolocalização da empresa, e
que não cobre, por exemplo, os deslocamentos feitos por transporte público,
motocicletas, bicicletas ou à pé. Assim, não é possível com base nestes dados
afirmar que x% da população está em casa. É provável que o isolamento seja maior em São
Paulo do que em Brasília e que esteja crescendo de modo geral. Trata-se apenas
de uma “variável substituta” e precisaríamos ter outros indicadores para ter
uma ideia mais precisa da adesão ao isolamento. O exemplo mostra apenas que dá
pra fazer e é preciso fazer e há empresas no mercado que inclusive podem
fornecer estas informações, com base no cadastro de celulares.
A geolocalização dos casos de
notificação positiva e dos mortos também é uma informação relevante em qualquer
tipo de epidemia. É preciso saber onde moram e por onde transitaram as vítimas.
São Paulo vivia uma epidemia de homicídios quando entrei na Secretaria de
Segurança em 2003. Esta epidemia de mortes foi em boa parte controlada pelo uso
inteligente de informações espaciais, em sistemas como o Infocrim e Copon on-line,
que mostravam locais, dias e horários de maior frequência, perfil das vítimas e
autores, fatores protetivos e de risco. Conseguimos vencer a batalha contra os
homicídios tratando-os como uma epidemia, sob a ótica da saúde. Infelizmente
não tenho visto esforços doa governos para mapear os casos. O mapeamento poderia apontar se existem áreas
de concentração (áreas quentes) ou áreas frias. É possível mesmo em pensar em
estratégias de contenção diferenciadas espacialmente, se a opção for manter
algum nível maior de atividade econômica (mitigação), por exemplo, em cidades
que ainda não tiveram nenhuma notificação positiva.
A maior ou menor adesão ao
isolamento é um parâmetro chave, por exemplo, para estimarmos a quantidade de
casos graves, leitos e mortes que teremos. E a tabela sugere que este parâmetro
é dinâmico, muda bastante no tempo e no espaço. Faço esta observação porque
nesta semana recebeu bastante atenção um relatório elaborado pelo Imperial
College de Londres, com previsões de mortes para todos os países, inclusive o
Brasil. O relatório é importante para simular as diferenças dos resultados, de
acordo com as estratégias adotadas: não fazer nada, mitigação ou supressão da
circulação.
Mas como projeção do número de
casos é no mínimo problemático: há diversas variáveis omitidas no modelo
(clima?), alguns parâmetros de propagação são fixos (Ro =3) e baseados na
evolução dos países desenvolvidos e se é verdade, como a tabela acima sugere,
que o comportamento da população e dos governos é dinâmico, é temerário
arriscar uma previsão para daqui a 250 dias. É mais recomendável fazer
projeções de curto e médio prazos e baseados na evolução empírica do próprio
país, estado ou cidade, desde que ultrapassado certo patamar de casos e de
mortes – digamos, 500 casos e 50 mortes.
Estes próximos dias serão
decisivos para sabermos se teremos alguns milhares ou centenas de milhares de
mortes. A população parece felizmente estar dando maior atenção aos alertas dos
meios de comunicação, cientistas, ministério da saúde, governadores e
prefeitos, e se dando conta da seriedade do problema. Faltam aos governos
ainda, em todos os níveis, dados epidemiológicos e expertise para saber o que
fazer com eles. Os centros de controle da crise precisam contar com médicos
epidemiologistas, estatísticos, geógrafos, especialistas em tecnologia,
monitorando informações em tempo real.
As idas e vindas de países
Europeus e dos EUA com relação às estratégias de isolamento mostram que o
problema não é só brasileiro. Quanto antes lançarmos mão de todos os recursos e
dados epidemiológicos disponíveis, antes e com menor estrago sairemos desta
crise.
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