Nacionalmente, os homicídios
cresceram cerca de 25% de 2005 para cá. Se tomarmos os dados da saúde, cuja
fonte é o Datasus, passamos de 47 para 59 mil mortes anuais e se optarmos pelos
dados do Ministério da Justiça, cuja fonte é o Sinesp, a conta macabra vai de
40 para 51 mil assassinatos.
As tendências são congruentes nas
duas fontes e é apenas por questões metodológicas que os dados sejam diferentes
em termos absolutos: a área da segurança distingue as mortes em diferentes
categorias jurídicas – homicídios dolosos, latrocínios, mortes em confronto –
enquanto a saúde trata a todas como mortes violentas intencionais por causa
externa. Além disso, como o registro é posterior, a saúde contabiliza também os
casos de lesões corporais graves que se transformam em mortes, passadas algumas
semanas. Em todo caso, a terceira coluna da tabela mostra que há uma
regularidade entre as duas fontes – com os dados da saúde contabilizando de 20
a 25% mais casos do que a segurança. De todo modo, ambas as séries mostram este
crescimento, em ritmos semelhantes.
Anos
|
Homicídios
Datasus
|
Homicídios
sinesp
|
Diferença
|
Armas
|
Despesa
com segurança
|
Despesa
per capta
|
Percentual
analfabetos
|
Taxa
de encarceramento
|
2005
|
47578
|
40975
|
1,20
|
30,06
|
8,87
|
|
13,90
|
289,77
|
2006
|
49140
|
41081
|
1,20
|
32,78
|
8,31
|
141,42
|
12,96
|
326,41
|
2007
|
47699
|
40716
|
1,22
|
31,43
|
8,61
|
158,23
|
12,49
|
321,00
|
2008
|
50096
|
43635
|
1,21
|
33,21
|
8,03
|
183,29
|
12,29
|
342,29
|
2009
|
51424
|
42023
|
1,24
|
34,96
|
8,68
|
213,11
|
11,84
|
365,21
|
2010
|
52257
|
43684
|
1,20
|
35,11
|
8,51
|
224,90
|
11,31
|
379,29
|
2011
|
52197
|
41465
|
1,22
|
35,95
|
8,71
|
246,10
|
10,78
|
389,86
|
2012
|
55191
|
43989
|
1,26
|
38,47
|
8,26
|
253,12
|
10,74
|
422,79
|
2013
|
56788
|
48735
|
1,24
|
31,65
|
7,99
|
263,81
|
10,71
|
348,60
|
2014
|
59830*
|
51035
|
1,22
|
|
8,13
|
|
10,25
|
370,49
|
Variação
|
25,75
|
24,55
|
1,89
|
5,28
|
-8,33
|
86,54
|
-26,24
|
27,86
|
Fontes: Datasus, Sinesp, Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, IBGE e Depen
Diversas políticas públicas –
preventivas e repressivas – foram colocadas em marcha no período para lidar com
o crescimento dos homicídios e a tabela nos mostra, com dados nacionais, o que
ocorreu com outros indicadores no mesmo período. Sem qualquer pretensão de
sugerir causalidades, observamos apenas que neste período houve uma relativa
estabilidade na disponibilidade de armas de fogo (mensurada aqui indiretamente
pelos suicídios cometidos por arma de fogo) e no percentual de despesas com
segurança no orçamento estadual total. Por outro lado, a despesa per capta com
segurança cresceu acentuadamente (86,5%) e a taxa de encarceramento por 100 mil
habitantes teve um crescimento significativo (28%). No âmbito “preventivo”, por
assim dizer, observamos uma diminuição das taxas de analfabetismo, tomado aqui
como um indicador resumo da melhoria da qualidade de vida nos últimos anos.
Uma análise ingênua diria que, se
a disponibilidade de armas é estável, investimentos em segurança e prisões
aumentam e a qualidade de vida da população melhora, deveríamos ter taxas de
criminalidade descendentes e não ascendentes. Mas já discutimos várias vezes
como este tipo de análise é simplista e deve ser evitado: contra factualmente, é
possível argumentar que os homicídios teriam crescido ainda mais, caso estas
outras tendências fossem diferentes; taxas de encarceramento e despesas com
segurança são “endógenas”, isto é, aumentam quando a criminalidade aumenta e seus
eventuais efeitos benéficos têm que ser isolados através de tratamentos
econométricos adequados; diversas outras variáveis que afetam os homicídios
–como drogas - estão “omitidas” na
tabela, etc.[1]
Não é o caso de rodar um “modelo”
estatístico preditivo no âmbito deste artigo mas antes de fazer algumas notas
qualitativas, lançando mão dos dados desagregados por estado e focando naqueles
Estados que tiveram as maiores reduções e os maiores aumentos nas taxas de
homicídio. É possível aprender alguma coisa com estas exceções, lançando mão da
boa e velha lógica de atentar para os “outliers”
No primeiro grupo temos São
Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco (sim, única exceção no NE), que juntos
tiveram uma queda ao redor de 28% dos homicídios nos anos analisados. Em
contraste, estados como Alagoas, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Maranhão
viram os um crescimento acima de 140% no número de mortes !! Como os demais
indicadores se comportaram nestes grupos extremos de estados?
A redução do analfabetismo foi
generalizada no país e se deu em ritmos similares nos dois grupos (queda de 30
e 25%, respectivamente). Note-se, contudo que o percentual de analfabetos em
2005 no primeiro grupo (em torno de 10%) já era menos da metade do percentual
do segundo grupo (24,3%). Uma coisa é o ritmo de queda e outra a magnitude. É
possível que níveis educacionais diferentes expliquem em parte as diferentes
dinâmicas dos homicídios nestes grupos de estados, não obstante os ritmos
parecidos de queda.
As despesas per capta com
segurança aumentaram nos dois grupos, mas o ritmo do aumento foi bem maior no
grupo de estados que teve crescimento dos homicídios. Enquanto as despesas
cresceram 60% no primeiro grupo, o aumento foi de 135% no segundo. O aumento da
criminalidade e da sensação de segurança deve ter pressionado os governos
destes estados a aumentarem a fatia destinada a segurança pública. Note-se
novamente que em termos absolutos, os gastos per capta no primeiro grupo são
superiores aos do segundo grupo: o ritmo elevado do crescimento das despesas
com segurança se explica em parte pelo ponto de partida inicial baixo de
investimentos destes estados nordestinos que antes eram pacíficos e viram a
criminalidade aumentar subitamente .
SP, RJ e PE
|
||||||||
anos
|
homicídios datasus
|
homicídios sinesp
|
diferença
|
armas
|
despesa com segurança
|
despesa per capta
|
percentual analfabetos
|
taxa de encarceramento
|
2005
|
20132
|
16839
|
1,20
|
56,05
|
10,51
|
|
10,30
|
370,90
|
2006
|
19766
|
16070
|
1,21
|
55,44
|
9,70
|
178,33
|
9,29
|
398,34
|
2007
|
17107
|
14666
|
1,16
|
48,71
|
9,42
|
189,54
|
9,22
|
394,63
|
2008
|
15943
|
13898
|
1,15
|
43,22
|
9,25
|
220,19
|
9,06
|
403,99
|
2009
|
15354
|
13628
|
1,13
|
39,31
|
8,24
|
210,45
|
8,83
|
421,07
|
2010
|
14518
|
11982
|
1,20
|
35,71
|
7,62
|
201,17
|
8,26
|
456,17
|
2011
|
13660
|
11453
|
1,18
|
32,12
|
8,78
|
266,97
|
7,69
|
485,66
|
2012
|
13611
|
11761
|
1,14
|
32,41
|
7,97
|
257,67
|
8,11
|
532,74
|
2013
|
13866
|
11719
|
1,17
|
24,67
|
7,90
|
285,48
|
7,57
|
450,42
|
2014
|
14303
|
12127
|
1,17
|
|
7,50
|
|
7,24
|
462,81
|
variação
|
-28,95
|
-27,98
|
-2,04
|
-55,99
|
-28,65
|
60,08
|
-29,70
|
24,78
|
AL, CE, RN, PB e MA
|
||||||||
anos
|
homicídios datasus
|
homicídios sinesp
|
diferença
|
armas
|
despesa com segurança
|
despesa per capta
|
percentual analfabetos
|
taxa de encarceramento
|
2005
|
4954
|
4635
|
1,04
|
29,31
|
8,54
|
|
24,28
|
196,77
|
2006
|
5604
|
5499
|
0,99
|
35,49
|
7,81
|
87,42
|
22,85
|
223,52
|
2007
|
6320
|
5936
|
1,09
|
39,17
|
8,72
|
103,79
|
21,73
|
202,01
|
2008
|
6901
|
6556
|
1,08
|
41,98
|
8,90
|
126,28
|
21,52
|
213,70
|
2009
|
7484
|
6704
|
1,14
|
45,64
|
9,72
|
153,58
|
20,36
|
218,01
|
2010
|
8541
|
8026
|
1,10
|
50,84
|
9,20
|
157,75
|
19,48
|
241,44
|
2011
|
9290
|
8723
|
1,09
|
56,78
|
8,87
|
159,72
|
18,60
|
248,21
|
2012
|
10283
|
8818
|
1,09
|
58,88
|
9,76
|
200,62
|
18,72
|
283,41
|
2013
|
11762
|
10578
|
1,12
|
53,32
|
9,40
|
205,19
|
18,72
|
225,59
|
2014
|
12042
|
11132
|
1,08
|
|
9,08
|
|
18,20
|
228,88
|
variação
|
143,08
|
140,17
|
4,51
|
81,89
|
6,35
|
134,71
|
-25,05
|
16,32
|
Fontes: Datasus, Sinesp, Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, IBGE e Depen
Com relação às taxas de
encarceramento, os estados que tiveram queda nos homicídios não apenas
encarceraram num ritmo superior (25% X 16%) como já partiram de patamares mais
elevados: as taxas de encarceramento do segundo grupo em 2014 (228:100 mil hab)
são menores do que as taxas de encarceramento do primeiro grupo eram em 2005
(370:100 mil).
As diferenças mais acentuadas
entre os dois grupos, contudo, está na disponibilidade de armas de fogo.
Enquanto as armas em circulação caíram 56% nestes anos nos três estados que
observaram fortes quedas nos homicídios, elas cresceram nada menos que 82% no
grupo de estados com forte aumento nos homicídios. Falando em níveis, a taxa de
armas por 100 mil hab. em 2013 neste segundo grupo (53:100 mil) equivale a taxa
do primeiro grupo em 2005. Este aumento na disponibilidade de armas no NE
precisa ser mais bem investigado, mas parece estar relacionado ao aumento dos
roubos e da sensação de insegurança na região e possivelmente ao aumento do
tráfico de drogas que costuma acompanhar o aumento da renda da população.
Os dados nacionais agregados
camuflam características que se tornam mais nítidas quando contrastamos os
grupos de estados que tiveram tendências de homicídio diametralmente opostas no
período. No primeiro grupo, onde houve queda, observamos níveis menores de
analfabetismo, taxas maiores e ritmos mais acelerados de encarceramento, níveis
maiores de investimentos per capta em segurança e, principalmente, êxito na
redução da quantidade de armas em circulação, quer em função de políticas de
busca e apreensão, quer porque o contexto macro incentivou aos habitantes
destes estados a deixarem suas armas em casa.
São características distintivas e
não necessariamente explicações causais para as diferentes dinâmicas observadas.
Os homicídios caíram em Pernambuco, apesar dos elevados níveis de analfabetismo
e caíram no Rio de Janeiro apesar das baixas taxas de encarceramento. Estas
talvez sejam condições facilitadoras mas não necessárias para diminuir o crime.
São pistas importantes tanto para
os analistas, que devem aprofundar o estudo destes fenômenos, quanto para os
gestores públicos que tem a responsabilidade de reduzir os níveis alarmantes de
homicídios no pais.
[1] Um
painel estadual com variáveis
instrumentais para lidar com a simultaneidade ou uma regressão tipo GMM tomando
as primeiras diferenças das variáveis endógenas seriam as metodologias mais
adequadas para responder a estas questões, algo que está fora do âmbito deste
artigo.
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