sexta-feira, 24 de abril de 2020

Número básico de reprodução do COVID: na dúvida, melhor ser prudente




O tal coeficiente RO - número básico de reprodução - é um indicador importante para ajudar a decidir quando se deve iniciar a flexibilização do isolamento social. Como publicado em diversos meios, se RO > 1 a epidemia está em expansão, RO = 1 em equilíbrio e R0 < 1 em diminuição.

Há diversas formas de calculá-lo, mas a mais adotada é a versão SIR de 1927, publicado em "Uma contribuição para a teoria matemática das epidemias". O problema é que para calcular RO é preciso conhecer as variações na quantidade de (S)uscetíveis, (I)nfectados e (R)etirados, ou seja, os que morreram ou ficaram imunes. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Modelo_epid%C3%AAmico).

No caso da COVID19 ainda não se sabe ao certo se os imunes voltam posteriormente para a categoria dos Suscetíveis, o que implicaria que um modelo SIRS seria mais correto. Como no COVID todos são em tese Suscetíveis, este parâmetro é relativamente fácil de encontrar. O problema é que não sabemos ao certo a quantidade de Infectados, pois até agora o Brasil não conseguiu fazer uma pesquisa amostral sorológica para estimar este parâmetro.

A estimativa de (R)ecuperados também é temerária pois como sabemos as mortes por COVID estão subestimadas  (20% ?) , baseando-se no crescimento das SRAGs. Além disso,  a maioria dos infectados e que já se recuperaram não foi sequer identificada, uma vez que a doença é assintomática em parte dos casos (18% ?) e fraca na maioria dos casos (80%). De modo que tenho muita curiosidade em saber em que dados estão baseados os cálculos de RO que circulam por ai, numa velocidade mais rápida do que a epidemia.... O pior é que alguns governos querem se basear nestes cálculos para definir o melhor momento da flexibilização do isolamento.

Diante destas deficiências empíricas- que não são apenas do Brasil e desta epidemia- os pesquisadores procuram versões mais simples para o cálculo para RO. Uma delas é a divisão entre o coeficiente (exponencial) da curva de mortes, do início ao pico, pelo coeficiente (exponencial) da curva de mortes, do "pico" em diante. O problema desta versão é que ela serve apenas a posteriori, quando sabemos onde ocorreu o pico. Mas precisamos de algo para nos guiar durante a epidemia. (Cálculo de tasa de reproductividad (R0) simplificando modelo SIR aplicado a epidemia de gripe A (H1N1) de 2009 en Brasil. Kelser de Souza Kock,¹ Estevan Grosch Tavares,² Jefferson Luiz Traebert,¹ Rosemeri Maurici²)

Em última instância o que o modelo SIR quer saber é se a velocidade de expansão da epidemia está involuindo e a partir de que momento passa a ser negativa. Na falta de dados confiáveis, uma equipe de engenheiros da Catalunha tem utilizado um modelo muito simples, mas engenhoso, “baseando-se apenas no número de casos novos conhecidos de um dia, dividido pelo número de casos novos conhecidos de cinco dias atrás.” https://www.ccma.cat/324/esta-baixant-la-velocitat-de-propagacio-del-coronavirus/noticia/3001295/

A título de curiosidade apliquei este cálculo simples aos dados brasileiros de novas mortes. Ele sugere que a taxa de reprodução básica começa elevada em março (cerca de 7) e vai caindo progressivamente, até uma média de 1,2, considerando os últimos 3 dias. É mais uma evidência de que a estratégia do isolamento social está conseguindo “achatar a curva”.





Para dar uma ideia do que significam estes valores, o estudo do Imperial College que construiu os cenários de mortes da COVID para todo o mundo utilizou como parâmetro RO = 3 e a outros estudos estimam que no início da epidemia RO = 2,6. 

É preciso tomar cuidado com este cálculo, pois como vimos está longe de ser tão completo quanto o SIR tradicional. E os dados brasileiros oscilam demasiado dia após dia, pois até hoje os governos não conseguiram manter um fluxo regular de testagem e contagem das mortes. Tanto é assim que nos dias em que as mortes ficam represadas, RO chega a ser < do que 1. Uma média móvel, nestas oscilações, é sempre mais informativa.

O novo ministro da saúde tem razão neste ponto. Nossos dados e conhecimentos sobre a epidemia são precários. A conclusão que eu tiro é diferente: na dúvida, melhor estender o isolamento social o máximo possível, até que melhores informações estejam disponíveis.


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