Nos anos 2000 vivíamos uma epidemia de
homicídios no Estado de São Paulo, com mais de 12 mil mortes por ano. Hoje os
números ainda são elevados, mas baixamos para menos de 5 mil, numa das quedas
de criminalidade mais significativas do mundo. Parte deste sucesso se deveu ao
uso de ferramentas epidemiológicas: informação rápida e correta sobre locais
dos homicídios, horários, meios utilizados, perfil da vítima e de autores, etc.
E gestão, monitorando estes indicadores mensalmente e cobrando os gestores
locais.
Por isso, durante a crise do coronavirus
achei importante deixar um pouco a segurança pública de lado e investigar
tendências e padrões da epidemia do Brasil. Assim como na queda dos homicídios,
tenho confiança que o uso da epidemiologia é crucial para que governo e
sociedade possam gerir a pandemia.
Além de alguns artigos e entrevistas,
tenho publicado gráficos e breves comentários sobre as características da
epidemia nas redes sociais. Neste artigo faço um rápido apanhado das
publicações recentes, com links para quem quiser detalhar o fenômeno. Alguns dados
ficaram defasados, pois o fenômeno evolui rapidamente. Por isso ao invés de
postar os gráficos originais coloco aqui os links, pois o sistema de
monitoramento é atualizado diariamente.
1)
Durante uma epidemia que cresce rapidamente, um dia de diferença faz
muita diferença nas estatísticas.! Assim, não se deve comparar números
absolutos e nem mesmo taxas ou variações % de países ou Estados cujas epidemias
começaram em datas diferentes. Uma forma de contornar isso é comparar o número
de dias que se passaram depois que o Estado/ País atingiu 50 mortos. Ou usar o
indicador "tempo de duplicação", calculado como Log(2)/ r, sendo r a
taxa de variação percentual. Ai é possivel comparar locais diferentes. Em
abril, nosso tempo de duplicação passou de 3,4 para quase 11, o que é uma forma
de ver como a epidemia desacelera e como estamos com relação aos outros países.
Para dar uma ideia, na Itália o tempo de duplicação hoje é de 21 dias e na
Espanha 18 dias. Estamos melhorando, mas ainda longe do ideal. #ficaemcasa. https://public.tableau.com/shared/HZRK8Y4WC?:display_count=n&:origin=viz_share_link
2)
Apenas alguns países ultrapassaram claramente o pico da epidemia (China
e Coreia do Sul). Mas existem evidências de que alguns outros países já
atingiram recentemente o ápice e começam a desacelerar a curva. Os dados
diários são voláteis e confundem a análise de tendências. De todo modo, creio
que os países listados estão neste caminho. Interessante observar que, depois
de ultrapassada cinco mortes, passaram-se em média 24 dias para que atingissem
o pico. Quase todos adotaram distanciamento social rigoroso. Brasil superou
cinco mortes há 22 dias, mas o distanciamento é apenas moderado. O que
significa que deve demorar mais que esta média. Pico estimado para metade de
maio, ceteris paribus. #coronavirus
3)
A epidemia nos países do terceiro mundo começa trazida pelos turistas
voltando da Europa. Por isso os bairros nobres concentraram os casos
inicialmente e os hospitais privados foram os primeiros e identificar e sentir
o impacto da epidemia. Foram também os municípios mais ricos os que primeiro
apresentaram casos. Conforme epidemia se alastra, vai esmorecendo correlação
inicial entre renda per capita do município e taxa de confirmados por 100 mil
hab. Por outro lado, aumenta a relação inversa entre taxa de mortalidade do
COVID19 e renda per capita municipal: mortes estão ligadas a falta de estrutura
de saúde, como saneamento básico e rede hospitalar. https://public.tableau.com/views/Siscovid/correlao?:display_count=y&:origin=viz_share_link
4)
A distribuição percentual de novas mortes por covid19 não se dá
igualmente pelos dias da semana. Isto tem relação com o represamento de
confirmações nos finais de semana. Como consequência, Isto diminui a frequência
de mortes confirmadas nas segundas e terças e aumenta nas quintas e setxas Esta
irregularidade da coleta atrapalha as projeções, pois observamos quedas e
aumentos "artificiais" no número de novos casos, dependendo do dia da
semana! É preciso regularizar o fluxo de informações. Ou então trabalhar com
“médias móveis” maiores, de quatro a cinco dias, de modo a obter estimativas
mais estáveis. Um grupo de analistas que auxilia o município de São Paulo
publicou um gráfico onde a taxa de duplicação de casos na capital era de 30
dias!!! Melhor do que a de países que já ultrapassaram o pico, como Itália ou
Espanha. Isto porque o dado de variações de mortes naquele dia específico tinha
sido excepcionalmente baixo, alterando todos os indicadores. Nestes e em outros
casos, o uso de médias móveis ajuda a suavizar as séries e fornece estimativas
mais precisas. Ainda no que tange a qualidade dos dados, não se publica
regularmente no Brasil o número de altas hospitalares e assim não temos o
número de casos ativos. Isto dificulta computar R0, que é a taxa de reprodução
do vírus, um dos parâmetros chave para conhecer o fenômeno se propaga. https://public.tableau.com/shared/DMGJTTYKF?:display_count=y&:origin=viz_share_link
Além dos posts nas redes sociais, escrevi
alguns breves artigos aprofundando alguns aspectos da epidemia. Para os
interessados, deixo aqui os links para consulta:
1º de abril: sobre o tamanho da
subnotificação. https://www.linkedin.com/pulse/qual-o-tamanho-da-subnotifica%C3%A7%C3%A3o-de-casos-covid19-brasil-tulio-kahn
30 de março: sobre monitoramento do
distanciamento social. https://www.linkedin.com/pulse/informa%C3%A7%C3%A3o-r%C3%A1pida-e-correta-pode-reduzir-o-impacto-do-tulio-kahn
26 de março: sobre a letalidade do vírus.
https://www.linkedin.com/pulse/qual-letalidade-do-coronavirus-brasil-tulio-kahn
25 de março: sobre a desaceleração de
casos. https://www.linkedin.com/pulse/taxa-de-varia%C3%A7%C3%A3o-mortes-por-coronavirus-desacelera-nos-tulio-kahn
13 de março: sobre a desaceleração de
casos. https://www.linkedin.com/pulse/transmiss%C3%A3o-do-coronavirus-desacelera-ultrapassados-500-tulio-kahn
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